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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

ABANDONADA

vidas abandonadaa nas calçadas do Brasil
Há seis anos atrás, quando vim morar nesse bairro, não havia nem trombadinhas, nem moradores de rua. Os primeiros, sempre andam em grupos e geralmente, são moradores de um morro que se chama azul e que se esconde por detrás da estação do Metrô, portanto, invisível ao olhar mais desatento, como o meu, que escolhi o bairro, pensando ser um dos poucos bairros cariocas que  não é cercado por favelas. Os segundos, os moradores de rua, foram se multiplicando com o passar dos anos e com o empobrecimento crescente da população brasileira. Geralmente chegam à noitinha, se instalam nas esquinas e ali pernoitam. Mas uma moradora de rua me chama especialmente a atenção. Ela mora, em frente a calçada de um prédio moderno, localizado em uma rua classe média alta da zona sul do Rio de janeiro e de lá não sai, faça chuva ou faça sol. Durante o dia ela perambula de um lado a outro da calçada, sempre calada, passos lentos, cabelos brancos e desgrenhados e se não me engano, com o mesmo vestido. Certo dia a vi guardando o que me pareceu ser escova e pasta de dentes, em um vão entre o canteiro florido do prédio e a parede. Pensei comigo que ali deveria ser o seu armário, pois do mesmo vão, já a vi retirando uma sacola de roupas. Outra vez a vi comendo, sei lá o que, em um vasilhame de plástico. Nunca nos olha nos olhos. Nunca a vi pedindo esmola. Às vezes, ao passar por ela, sinto um cheiro distante de roupa mijada e uma vez, senti o aroma de quem havia acabado de tomar banho. Onde ela se banha e faz suas necessidades não sei, o que eu sei é que tarde da noite, quando volto do trabalho, ela está dormindo em um papelão, ao pé de um árvore, na calçada em frente ao prédio, que é a sua casa. Hoje passei por ela e ela já estava recolhida. Fiquei pensando se ela tem boas lembranças guardadas na sua cabeça branca, se ainda se lembra da sua infância, se teve amigos. Fico pensando se sente saudade de alguém ou se tem alguém que sinta a sua falta. Fico imaginando como deve ser dura a sua cama de pedra portuguesa, onde ela dorme. E quando dorme, será que sonha? E se sonha, serão sonhos bons? Ou as vezes acorda sobressaltada? Quando foi que ela desistiu? E escolheu viver assim, abandonada.