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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O TALENTO ABENÇOADO. POR QUEM MESMO?

      

          Eu costumo dizer que aprendi a tocar violão com o meu irmão Lula, não o presidente, o Lula Duarte. Na realidade, cansado de pedir ao meu irmão e aos amigos dele, que me acompanhasse nas canções malucas que eu inventava, resolvi comprar um método de violão e em quatro horas com ele na mão, estava tocando “a banda” do Chico Buarque. O que Lula me ensinou mais tarde, vendo em mim um talento nato, foram os acordes dissonantes, coisa muito mais fina, requintada e que musicalmente, mudou o rumo da minha vida. Até hoje, por exemplo, toco “Falsa Baiana” do Geraldo Pereira, com a mesma harmonia que o Lula me ensinou, trecentos anos atrás. Mas violão mesmo, eu aprendi sozinho para me acompanhar, pois o meu dom nato de verdade, é o canto, eu sou cantor. Nasci com o dom dos passarinhos. Só faltou voar.
          Hoje recebi um email do meu irmão Lula, onde ele diz que eu tinha sido abençoado com o talento da musica. Eu também acreditei nisso um dia, e fui burro pra cacete de não ter sacado que benção não enche a barriga de ninguém e fiquei achando que por ser abençoado, o sucesso viria bater na minha porta e dizer: aê ô cara chegou a sua hora. É claro que eu não fiquei de braços cruzados esperando por essa hora, mas meio que relaxei, aceitando tocar por qualquer coisa, pensando que um dia eu receberia o devido valor. De uns tempos para cá, e bota tempo nisso, eu cansei. Cansei de ser explorado, aqui e no exterior também. As pessoas pensam que artista não tem contas a pagar, que nos alimentamos de vento, e cada vez mais, os cachês e salários dos músicos são menores. Essa desvalorização se deve muito ao fato da massificação da música em detrimento do talento. Hoje em dia, qualquer um mortal pode entrar em um estúdio, pagar, e sair de lá com o seu cd debaixo do braço. Qualquer um pensa que pode cantar, vivemos na era dos playback, da música monocórdia do raps e dos bailes funk ( aquilo é música?), da “bunda music” que a mesma Bahia que exportou Caetanos, Bethanias e Gilbertos, mandou para o mundo a musica que se convencionou chamar de axé.
          Ando revoltado com o meu talento e com quem o abençoou. No sábado passado fui a uma apresentação de choro liderado pelo renomado e excelente bandolinista Joel Nascimento, acompanhado por quatro jovens e talentosos músicos que infelizmente não pude guardar os nomes, mas que tocavam violão, violão de sete, cavaquinho e pandeiro. De quebra ainda teve a canja do Dirceu Leite no sax, clarinete e flauta. Show de bola. A apresentação foi no Instituto Cravo Albin, que funciona na Urca, em um prédio de três andares. O show rolava no terraço, de frente para o mar, maior visual, quando de repente, começa a maior “curimba” na praia. Eram os devotos de Iemanjá baixando o santo e poluindo ainda mais, a já poluída baía de Guanabara, com flores, barquinhas e aquelas oferendas todas. Como o espaço era praticamente aberto, tratando-se de um terraço, o som dos atabaques interferiam no som maravilhoso do choro interpretado por aqueles músicos. Foi uma tarde/noite de choro axé, que seria hilário, se não fosse pelo profissionalismo daqueles grandes artistas, que deram o seu recado magistralmente e certamente nem se tocaram para o barulho que vinha da rua.
          Durante a apresentação eu fiquei pensando que ainda bem que existe pessoas como o Ricardo Cravo Albin, que abre as portas da sua casa para nos oferecer, ainda que para um público reduzido, música de excelente qualidade. Mas e depois? Será que aqueles músicos vivem da música maravilhosa que eles fazem? Será que eles pagam as contas em dia? Que futuro terá aqueles quatro garotos que tocam tão bem a verdadeira música brasileira?
          Eu abdiquei a trinta anos atrás, de um emprego público, para correr atrás do meu sonho, cantar para o mundo. É bem verdade que realizei parte desse sonho, vinte anos depois, depois de comer muita grama pela estrada, pois conheci meio mundo cantando, mesmo sendo mal pago por uma companhia de navios de cruzeiros, mas conheci meio mundo. Ainda bem que tudo que eu consegui guardar, deu para comprar um apartamento de quarenta metros quadrados. Ainda bem, por que a maioria dos músicos sequer tem aonde cair morto, que é normalmente o destino do artista não só brasileiro mas do mundo. A Billie Holliday quando morreu, tudo que ela possuía eram 75 dolares escondidos numa meia. Claro que os tempos são outros, mas eu não quero esse tipo de destino para mim, nem para ninguém que tenha sido abençoado com o dom da música. Hoje me arrependo de ter largado o meu emprego público e de ter sonhado demais, ou será que eu acreditei de menos no meu abençoado talento? Abençoado por quem mesmo?