Desde o primeiro minuto, feiúra ambulante compreendeu que a vida é uma mentira, a começar pelo seu nome, “Artemônio”. Quando a parteira viu aquele recém nascido que ela acabara de trazer ao mundo, berrou:
- É mentira! Isso só pode ser arte do demônio.
A mãe quando olhou a cara do seu bebê, desmaiou e ao voltar a si não teve dúvidas, batizou a criança com aquele nome, Artemônio, um nome inventado, como tantos que existem por aí, especialmente em Salvador da Bahia, terra natal daquela feiúra. Seu pai sumiu no mundo, jurando que aquilo não era filho seu, de jeito nem qualidade.
Artemônio nasceu com dois olhos, duas orelhas, um nariz e uma boca, como qualquer ser humano aparentemente normal, pequenos detalhes no entanto, faziam a diferença. Pra começar, o troço saiu de dentro da mãe, não pela cabeça, como é comum, mas a parteira teve que puxa-lo para fora, pelos pés. Os olhos já estavam bem abertos, vesgos, um quase por dentro do outro de tão vesgos que eram, de forma que nunca olhavam para frente, sempre para o centro. O nariz adunco, curvo, daqueles de bruxa das estórias em quadrinho, apontando para o chão, e acentuando-se em tamanho à medida que o tempo passava. As orelhas eram pontiagudas, dos três lados, pareciam dois triângulos grudados a um crânio maior do que o normal. Um verdadeiro cabeção. Ao nascer, o pequeno Artemônio não chorou, ao contrário, sorria um sorriso esquisito que emitia um som semelhante a um gato no cio, deixando à mostra, na sua boca quase banguela, o dente canino superior direito, já nascido e bem criado.
Com essa cara mal construída, logo que ele começou a fazer as suas primeiras aparições públicas, aos sete anos de idade, ganhou da vizinhança o apelido de feiúra ambulante, que Artemônio carregou com orgulho pelo resto dos seus dias. A cara de feiúra, sua mãe pôde guardar em segredo por sete anos, só os mais íntimos, os da família, tinham acesso aquela deformidade que crescia feliz e contente, como se não fosse com ele o acontecido. O dente canino superior direito foi arrancado umas quatro vezes, mas voltava a crescer de novo, ainda maior, de maneira que depois da quarta tentativa de extirpar a anomalia, sua mãe desistiu do feito e feiúra seguiu pela vida exibindo aquele dentão pontiagudo, que não cabia na boca e se lhe escapava pelo canto dela.
É mentira! Esta era a reação de espanto mais comum que todos tinham ao se deparar com feiúra ambulante. Esta foi a primeira coisa que os seus ouvidos aguçados escutaram e este passou a ser o bordão da sua vida. Como as crianças aprendem por repetição, tudo aquilo que escutam e vêem, assim como os papagaios, Artemônio, passado algum tempo escutando aquela expressão sempre que alguém se deparava com ele, decodificou aquelas palavras como uma saudação, um “olá”, “como vai você”, de forma que sempre que encontrava alguém, antes que a pessoa abrisse a boca, ele mandava um sonoro “é mentira”, ao invés de “bom dia”, “boa noite” ou coisa que o valha. Já adolescente, quando o povo já estava acostumado com aquilo e lhe saudava “oi feiúra, como vai?”, ele respondia contente:
- É mentira!
O segredo mais bem guardado no entanto, só a mãe e a parteira, que morreu de depressão, logo depois de fazer o parto de feiúra, sabiam, além do próprio é claro. Artemônio nasceu com um sexo descomunal, comprido, fino e com duas cabeças, portanto além de ver o mundo aos pares, devido a sua zarolha exagerada, ele também urinava por dois e quando veio a adolescência, aos dez anos de idade e o seu pau mal cabia dentro das calças, ejaculava duplo, pelas duas cabeças, logo, a vida de feiúra era por assim dizer, um gozo duplicado. Com o tempo, veio o vício da masturbação e a este prazer, ele se entregou até conhecer Milsabores.
Maria Del Milsabores, era filha de ciganos chineses, tinha os olhos grandes esverdeados, linda. Os seus peitos e bunda eram enormes, redondos, fartos. Maria gostava de botar tudo o que via na boca. Milsabores não havia passado da fase oral, chupava os dedos da mão e dos pés, lambia tudo que passava diante dos seu olhos, tudo ela queria provar, sentir o sabor e quando conheceu Artimônio, foi paixão à primeira vista.
Quando ele botou os seus olhos trocados em cima dela e viu quatro peitos deliciosos dando sopa, logo gritou:
- É mentira!
Ela enxergou de cara aquele volume imenso por dentro das calças largas que ele usava e nem percebeu a cara feia que ele tinha. Então caíu de boca na cobra de duas cabeças de feiúra ambulante e ele nos peitos maravilhosos dela. E os dois seguiram pela vida afora jorrando juntos o leite de sua cobra e peitos, numa prova inequívoca de que o amor é uma mentira, pois quem ama o feio, bonito só lhe parece se este tiver muito dinheiro, e este não era o caso do personagem em questão, além do mais, não existe pênis com duas cabeças nem ninguém tão horripilante como o sujeito acima descrito, tampouco ciganos chineses, de olhos grandes, esverdeados. Portanto faça como Artemônio, se alguém lhe disser algum dia que te ama, olhe bem nos olhos da criatura e responda:
- É mentira!
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