sábado, 17 de outubro de 2009

O SUTIÃ DO MARCELO

Marcelinho era o filhinho da mamãe, da vovó e das titias. O primeiro filho daquele casal classe média de Ipanema tinha sido homem, portanto o segundo já viu né? tinha que ser uma menininha, pra fazer par com o Marquinho, o mais velho. Deu Marcelinho gente! em pleno anos oitenta, eles não quiseram fazer o teste pra saber o sexo do bebê, de tão seguros que estavam, que Marcela iria chegar linda e loira. Foi uma decepção é claro, mas mesmo assim Marcelinho foi recebido com carinho e criado desde o berço, com muito amor, eu disse, muito amor mesmo, e como já se sabe, tudo que é demais, sobra. Assim foi crescendo Marcelinho, acostumado em ser o centro das atenções e a ter tudo do bom e do melhor desde pequeno. Tudo que ele via ele queria.
-Mamãe me dê isso, papai me dê aquilo, vovó eu quero aquele dali ó.
E mamãe, papai e vovó, faziam as vontades do Marcelinho sem pestanejar. Marcelo mamou no peito até quase quatro anos de idade, depois dos dois anos o pai começou a ficar incomodado e falava pra mulher:

- Pára de dar o peito pro menino que ele já está crescido mulher.
 A mulher dava de ombros, dizia que o menino gostava e fazia bem para a saúde das mulheres e dos seus filhos, amamentar até tarde, quanto mais leite materno melhor, os meninos ficam mais fortes. O marido argumentava que o mais velho não mamara tanto e no entanto era forte pra caramba. A mulher dizia que queria o caçula ainda mais forte, o dobro.

Até que a mulher engravidou de novo e desta vez veio a Patricinha. Marcelinho já estava com três anos quando a patricinha chegou. Foi um ciúme mortal o que aquele menino sentiu, ao ter que dividir o seu peito com aquela intrusa. Marcelo chorava, gritava, ameaçava bater no bebê e dizia aos berros, para que todo o quarteirão escutasse:
 - NÃÃÃÃÃOOOO! ESSE PEITO É MEU. Pronto, estava instalado o drama. Marcelo que nunca dividira nada com ninguém, nem com o irmão mais velho, agora via a sua mãe dar o seu leite, o leite que lhe pertencia, para aquela menina. A mãe, sem saber mais o que fazer para acalmar o menino, teve a idéia de lhe dar o sutiã que ela usava para enxugar o peito depois da amamentação. A maioria das pessoas usam um lenço ou uma toalha de rosto para enxugar o leite do peito, mas a mãe de Marcelinho usava era um sutiã, sempre o mesmo sutiã, velho e já amarelecido.

–Toma, cheira o sutiã da mamãe que faz o mesmo efeito. Não é que fez mesmo? Marcelinho ficou hipnotizado pelo cheiro de leite impregnado naquele sutiã e desde então não o largou mais, pra todo canto que o Marcelo ia, tinha que levar aquele sutiã com ele, pra escola, pro parque, pro clube, pras festinha de aniversário, lá ia Marcelo e o seu inseparável sutiã. Ele e o sutiã eram uma coisa só, nem do peito da mãe ele queria mais saber. A mãe resolveu um problema e criou outro ainda maior. Marcelinho já com seus dez anos de idade, ia jogar bola com os amiguinhos e levava a sua própria bola, senão ele não jogava, e o seu inseparável sutiã, ainda mais velho e encardido. Marquinho morria de vergonha do irmão e um dia, numa briga que os dois tiveram, coisa de criança, Marco pegou o sutiã do Marcelo e atirou pela janela, três andares abaixo.

- NÃÃÃÃOOOO! MEU SUTIÃ! Berrou Marcelinho a plenos pulmões. O prédio inteiro tremeu, quando a mãe chegou no quarto, apavorada, deu de cara com o Marcelinho pendurado no pescoço do irmão, dizendo que iria matar o pobre do Marquinho. A muito custo ela conseguiu separar os dois, depois, chegou até a janela e viu que o sutiã havia voado e caído no teto do bar da esquina, duas casas adiante. Então a mãe tentou acalmar o filho dizendo que ia trazer o sutiã dele de volta. Em seguida chamou o marido e pediu que ele a companhasse até o bar da esquina, pois o Marco tinha jogado o sutiã do Marcelo no telhado do botequim. O marido achou aquilo uma maluquice, mas teve que ir, pois não agüentava mais o choro histérico do filho, incomodando a vizinhança. Quando chegaram ao bar, o pai procurou o gerente e disse a queima roupa:
 - Moço, o sutiã do meu filho caiu no telhado do seu bar e eu tenho que subir lá pra pegá-lo senão a criança não pára de chorar, sabe como é que é, é um sutiã de estimação.
 O gerente do bar primeiro pensou que fosse gozação de bêbado, mas diante da insistência e da ausência de cheiro de álcool no vizinho, ele deixou que o pai subisse no telhado do bar. O sutiã enfim foi resgatado, não sem danos, pois como estava emaranhado em um monte de fios e na antena externa da televisão do estabelecimento, o pai ao puxar o sutiã, escorregou e este rasgou ao meio. Marcelinho quando viu o seu sutiã partido em dois, berrou o seu célebre “NÃÃÃÃOOOO” e ficou sem falar com o irmão pro resto da sua vida.

Marcelo foi crescendo deprimido, desde que teve o seu sutiã partido em dois. Mal comia, às vezes não queria tomar banho e sequer conversava com a vovó e as titias, que seguiam lhe paparicando. Quando Marcelo fazia aniversário, ele não queria festa, não queria presentes, nada, só queria o seu velho sutiã inteiro de novo, coisa que a mãe tentara mas não conseguira, pois de tão velho e encardido, o tecido havia poído, não costurava mais, pois o sutiã estava dividido em dois para sempre. Quando passou a adolescência e Marcelo começou a se transformar num homenzinho, influenciado por Fabinho, seu amigo inseparável, Marcelinho passou a freqüentar academias de ginástica e a praticar a musculação. Os músculos apareceram rapidamente, Marcelinho se transformou num rapaz malhado, musculoso, com um peitoral de fazer inveja a qualquer nadador profissional, peitoral este, que ele exibia com orgulho em todos os lugares, fosse na praia ou no cinema, onde ele estava sempre usando aquelas camisetas apertadíssimas, que lhe valorizavam o peitoral trabalhado com esmêro.
 O sutiã, bem, os pedaços do seu velho sutiã, continuam guardados até hoje, junto com uma coleção de muitos outros que ele e o Fabio foram comprando ao longo do tempo. Hoje eles moram juntos e tem o seu próprio negócio, uma loja de roupa intíma feminina, num dos melhores shoppings da zona sul deo Rio de janeiro. O nome da loja? “O SUTIÃ DO MARCELO”, é claro.

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