Exceto pelo grande apego à vida, pela sensatez e racionalidade, em tudo o mais, sou a cópia fiel da minha mãe. Passei a maior parte da minha existência relutando em aceitar o espelho, embora converse com ele diariamente, como fazem os narcisos, enxergando somente a casca e seus adornos, cada vez mais escassos, e negando o direito de me aceitar por dentro.
Minha mãe nasceu em uma família muito pobre, filha de uma brava mulher saudável e batalhadora e de um homem honesto, extremamente religioso e educado. Sou cada vez mais convencido de que nascemos do jeito que somos e de que vamos com o tempo, melhorando ou não, nossas virtudes e defeitos. Minha mãe, assim como eu, não nasceu para ser pobre, nem para passar dificuldades. Amantes do que é bom e bonito, gostamos de ambientes refinados, arejados, boas roupas, bons perfumes, boa música, gente educada. Gostamos de viajar, de ver o mundo, e se o dinheiro não dá, lemos um bom livro ou assistimos a um bom filme, que é uma outra maneira de viajar e ver o mundo, bastante econômica e igualmente inteligente. Casa limpa é imprescindível. Lembro dos dias de faxina, na casa da minha infância, geralmente aos sábados, em que a casa parecia virar ao avesso, para estar brilhando como nova, ao final do dia.
Minha mãe se casou com um homem excessivamente trabalhador, que assim como ela, estudou até o quinto ano primário. Certamente por essa razão, os dois, de comum acordo, resolveram dar aos filhos a melhor das heranças, a educação e os benefícios que ela inevitavelmente traz. Estudamos todos os seis filhos, no melhor colégio da cidade, e até hoje, tendo que me virar para pagar as contas, me pergunto como o meu pai fazia para pagar as mensalidades caríssimas daquela instituição, e eu respondo, trabalhando, de sol a sol, sem tirar férias que eu me lembre. Trabalharam os dois, meu pai naquela pequena loja de peças para automóvel, e a minha mãe em casa, cuidando dos filhos, da casa, da comida, da roupa, do estudo das crianças. Minha mãe estudou e aprimorou a sua educação ao tomar a lição de casa, que levávamos da escola todos os dias. Boba nunca foi, nem eu. Olhar vigilante como o meu, as vezes exagerava na rigidez, nos castigos e nas palavras, como eu fiz tantas vezes, inclusive com ela e ela comigo, pois ninguém gosta de ver no espelho as partes que nos incomoda.
Físicamente nos parecemos demais, o olhar triste, sonhador, de quem busca o longe, ou como ir mais longe depressa. Mas como a vida tem o seu próprio tempo, na pressa, tropeçamos muitas vezes, mas cair, ir ao chão, jamais. Não fomos feitos para ir ao chão, levantamos rapidamente e se possível, fazendo de conta de que nada aconteceu, para seguir em frente e ponto, apesar de sermos muito ligados ao passado. Lembramos e relembramos fatos que quase ninguém mais se lembra, com riqueza de detalhes, data, hora e lugar, e devo confessar que isso não é de todo um bom negócio, pois o que passou passou e como dizia a minha avó, o que não tem remédio, remediado está. Guardamos mágoa, o que também não é bom, mas também não nos prendemos a mesquinharias, a coisas pequenas, porque nascemos para a fartura.
Claro que como nascemos em épocas diferentes, todas essas semelhanças geraram um conflito do tamanho do mundo e as brigas não foram poucas, eu me queixando da falta do amor de mãe, buscando inutilmente a mãe em outras mulheres, e ela se queixando que aquele filho não lhe queria bem, como predisse a avó de criação dela, anos atrás: "Tenha muitos filhos, pois se um não te quiser, os outros haverão de querer". Ela repetia isso como um mantra, e eu me enchia de culpa e de raiva pois achava que quem não me queria era ela. Não fui nem sou o seu filho preferido, por todos os motivos mencionados acima, até que recentemente, passei por uma perda pessoal irreparável, onde perdí o chão, a dignidade, e a fé que eu julgava ter. Fui socorrido e amparado por amigos, e pela minha mãe, que mora a 1700 quilômetros de distância. Por telefone, ela, sensata e racional como sempre foi, não me deixou ficar no chão, e me deu a mão com palavras sábias de ânimo e incentivo, me acalmando e me fazendo seguir em frente, ainda mais vigilante e tentando aceitar o que a vida, por um descuido do destino, me roubou.
Tudo na vida tem um lado positivo. No meu recente e irreparável tropeço, pude recuperar e ter o amor da minha mãe, e isso não tem preço, pois é o maior bem que um ser humano pode ter na vida. Há poucos dias, retornando para a terapia, o terapeuta me recebeu sorrindo e dizendo: Seja bem vindo aquele que é louco pela própria mãe! e completou, vamos falar dela hoje? Eu respondi que sim, mas que iríamos conversar de outra maneira, que iríamos falar da conquista do entendimento, pois para entender a mãe, é preciso se enxergar nela.
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