Um gostava de laranja e o outro de verde limão, até aí tudo bem, pois o que seria do pêssego se todos gostassem da maçã? Acontece que quando chegava o carnaval, um queria cair no samba e o outro ver pela televisão, nada demais até então, liberdade de direitos acima de tudo, afinal eles eram a dupla certinha, feitos um para o outro, pois tinham a mesma altura, a mesma pele morena, um pouco mais clara que a do outro, mais ainda assim morena e os narizes, de tão parecidos que eram, pareciam saídos da mesma fornalha. Os nomes tinham a mesma inicial, que rimava o de um com o do outro e até o sobrenome era igual. Incrível esta dupla certinha que de certo nada tinha afinal. Um guardava datas com precisão, não lhe escapava um aniversário, fosse de amigo, parente ou irmão, nascimento, morte, atropelo e inauguração, ele sabia de cor, dia, mês e ano e não tinha discussão. O outro ao contrário, se esquecia de tudo que fosse festejado, geralmente à dois, ou em família. Natal, ano novo, dia santo e feriado, dia dos namorados, tudo isso ele fazia questão de dizer que não via. Um falava pelos cotovelos, parecia que tinha engolido um rádio e cheirado carreiras noites inteiras. O outro guardava tudo calado e escutava com aparente paciência os monólogos da outra parte da dupla, que não perdia nenhum detalhe da sua dissertação, cheia de imaginação e força. Um se prendia a detalhes, enquanto o outro voava no abstrato. Um sonhava alto e o outro comprava pano barato, pra economizar nas contas, se equilibrar pro futuro, pois enquanto um planejava tudo, o outro dava saltos no escuro. Um comia carne vermelha, fritura e sementes de tomate. O outro tomava mel de abelhas, vitamina de banana com aveia e chocolate. Um adorava futebol, decorava as tabela dos campeonatos, sabia todos os resultados, não perdia os gols da rodada por nada deste mundo e era tricolor roxo. O outro era rubro negro. Um gostava dos dias ensolarados, desde que ele estivesse na sombra, com bloqueador trinta, grama e cadeira. O outro queria o sol fervendo na cara, a beira do mar, cerveja e areia. Um só tomava banho frio, dizia que fazia bem a pele e a circulação, coisa que aprendera com o avô materno, ainda criança e nunca mais esquecera, nem deixara de tomar o seu banho gelado diariamente. O outro ficava horas debaixo do chuveiro quente, dizia que o vapor quente relaxava, e assim ficava, se esquecendo do tempo. Um adorava viajar, comprar passagem e voar, especular o novo, o infinito. O outro acendia um baseado. Um era um samba light, guaraná com bossa nova. O outro rock and roll, som alto na caixa e cachaça com coca cola. Um vivia ligado e o outro nem dava bola. Um era um aquário cheio de peixes e o outro era mais um peixe dentro daquele aquário. Mas um pensava no outro todos os dias e o outro também. “Um amor que existia e que só podia ser explicado, se acreditarmos na possibilidade da alma e do espírito”, como um escreveu para o outro um certo dia. Um amor que nunca se encontrava, pois se um chorava, o outro sorria, se um caminhava, o outro corria, quando um se alongava o outro se encolhia, enquanto um despertava, o outro adormecia e sonhava os seus sonhos, separados um do outro, pois mesmo quando dormiam juntos, sonhavam sonhos separados. E assim sucessivamente, dia após dia, os dois seguiam se amando, estivessem aonde estivessem, cada qual no outro lado da sua própria linha, pois afinal eles eram a dupla certinha.
Um comentário:
Nada é uma certeza na vida, exceto a morte e os impostos de renda.
O amor é uma espada com duas lâminas, uma lâmina para abrir o coração e uma lâmina para matar do coração.
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