De Ricco Duarte
O CORTEJO
Enquanto o cortejo segue sem pressa
pelas aléias do campo santo
os cortejantes falam baixinho
para não atrapalhar o sono do cortejado
uns tecem loas à sua memória
outros fazem cálculos exagerados
de quanto o falecido deixou
para a viúva que vai na frente
derramando lágrimas pelo seu amado
os filhos que estão dois passos atrás
vão de mãos dadas movidos pela dor
já sabendo que logo estarão separados
pelos bens do genitor
e assim
como tudo que a vida persegue
como tudo que a vida persegue
o cortejo vai devagarinho
sem hora marcada para acabar
sem hora marcada para acabar
o corpo do morto está morto
isto é certo
mas nem depois de enterrado
sua alma
caso exista
poderá descansar em paz
mesmo não tendo tido morte violenta
e tendo partido por causas naturais
ele terá sua intimidade violada
seus segredos revelados
sua viúva outros donos
seus filhos outros sonhos
e tudo o mais no futuro
será passado
enquanto no presente
o cortejo segue lentamente
a vida toma um destino ignorado