sábado, 17 de outubro de 2009

CASA AUTO DOIS IRMÃOS


Numa das minhas recentes visitas a Salvador, passei ocasionalmente pela Rua Carlos Gomes e não pude deixar de me espantar, com aquela portinha onde funcionava a casa auto dois irmãos. Na minha lembrança de infância, aquela porta era enorme, onde funcionava uma grande empresa, que tinha nos fundos um escritório, entulhado de papéis, cadernos, livros caixa, canetas e um cofre grande, de ferro, onde eu imaginava estar guardada ali, uma grande fortuna.

A grande empresa era do meu pai, Seu Ribeiro, um comerciante de talento e um administrador notável, pois daquela portinha ele conseguiu produzir felicidade para muitas pessoas. Meu pai trabalhou de sol a sol, seis dias por semana, fazendo horas extra em casa, e ainda tinha tempo e imaginação para nos contar estórias da carochinha antes dormir. Era a sua hora do recreio por certo, pois muitas vezes ele adormecia antes de chegar ao final da estória, o que me deixava enfurecido. E assim foi, durante anos e anos. É claro que o valor do dinheiro mudou, que os tempos são outros, mas mesmo assim, ainda hoje, é impressionante como aquela portinha pôde abrir tantas outras portas.

Meu pai nos fez feliz quando nos contava estórias antes de ir prá cama. Fez feliz a sua mulher, nossa mãe, dando-lhe seis filhos saudáveis, e a deixando amparada com casa própria, carro e uma pensão descente para os padrões brasileiros. Nos fez feliz ao nos abrir as portas do melhor e mais caro colégio da cidade, onde quase todos nós estudamos até a universidade, e alguns de nós ainda terminamos os estudos em faculdades particulares, igualmente caras, pagas com o suor do trabalho daquele homem, que trabalhou, pelo que eu me lembro, sem férias, durante toda a sua vida. Sua felicidade portanto era o trabalho, pois através dele, ele pode também produzir felicidade para parentes e agregados, que sempre estavam a freqüentar e muitas vezes a morar na nossa casa, desfrutando da nossa comida, das nossas festas, da nossa hospitalidade.

Infelizmente ele não soube se impor como homem, chefe de família e provedor e por isso não teve o reconhecimento e o respeito que merecia. Morreu cedo, quando viu todo o seu esforço ir por água abaixo e ele resolveu desistir e se entregar. Eu, da minha parte, reconhecendo a minha ingratidão a um homem que nunca me disse não, e que a sua maneira, me amou, só posso aplaudir agradecido a sua memória, pela sua paciência, humildade, tenacidade e altruísmo, por ter produzido felicidade pra tanta gente, enquanto ele desfrutou de tão pouco, de tudo aquilo que ele construíu sozinho.

O SUTIÃ DO MARCELO

Marcelinho era o filhinho da mamãe, da vovó e das titias. O primeiro filho daquele casal classe média de Ipanema tinha sido homem, portanto o segundo já viu né? tinha que ser uma menininha, pra fazer par com o Marquinho, o mais velho. Deu Marcelinho gente! em pleno anos oitenta, eles não quiseram fazer o teste pra saber o sexo do bebê, de tão seguros que estavam, que Marcela iria chegar linda e loira. Foi uma decepção é claro, mas mesmo assim Marcelinho foi recebido com carinho e criado desde o berço, com muito amor, eu disse, muito amor mesmo, e como já se sabe, tudo que é demais, sobra. Assim foi crescendo Marcelinho, acostumado em ser o centro das atenções e a ter tudo do bom e do melhor desde pequeno. Tudo que ele via ele queria.
-Mamãe me dê isso, papai me dê aquilo, vovó eu quero aquele dali ó.
E mamãe, papai e vovó, faziam as vontades do Marcelinho sem pestanejar. Marcelo mamou no peito até quase quatro anos de idade, depois dos dois anos o pai começou a ficar incomodado e falava pra mulher:

- Pára de dar o peito pro menino que ele já está crescido mulher.
 A mulher dava de ombros, dizia que o menino gostava e fazia bem para a saúde das mulheres e dos seus filhos, amamentar até tarde, quanto mais leite materno melhor, os meninos ficam mais fortes. O marido argumentava que o mais velho não mamara tanto e no entanto era forte pra caramba. A mulher dizia que queria o caçula ainda mais forte, o dobro.

Até que a mulher engravidou de novo e desta vez veio a Patricinha. Marcelinho já estava com três anos quando a patricinha chegou. Foi um ciúme mortal o que aquele menino sentiu, ao ter que dividir o seu peito com aquela intrusa. Marcelo chorava, gritava, ameaçava bater no bebê e dizia aos berros, para que todo o quarteirão escutasse:
 - NÃÃÃÃÃOOOO! ESSE PEITO É MEU. Pronto, estava instalado o drama. Marcelo que nunca dividira nada com ninguém, nem com o irmão mais velho, agora via a sua mãe dar o seu leite, o leite que lhe pertencia, para aquela menina. A mãe, sem saber mais o que fazer para acalmar o menino, teve a idéia de lhe dar o sutiã que ela usava para enxugar o peito depois da amamentação. A maioria das pessoas usam um lenço ou uma toalha de rosto para enxugar o leite do peito, mas a mãe de Marcelinho usava era um sutiã, sempre o mesmo sutiã, velho e já amarelecido.

–Toma, cheira o sutiã da mamãe que faz o mesmo efeito. Não é que fez mesmo? Marcelinho ficou hipnotizado pelo cheiro de leite impregnado naquele sutiã e desde então não o largou mais, pra todo canto que o Marcelo ia, tinha que levar aquele sutiã com ele, pra escola, pro parque, pro clube, pras festinha de aniversário, lá ia Marcelo e o seu inseparável sutiã. Ele e o sutiã eram uma coisa só, nem do peito da mãe ele queria mais saber. A mãe resolveu um problema e criou outro ainda maior. Marcelinho já com seus dez anos de idade, ia jogar bola com os amiguinhos e levava a sua própria bola, senão ele não jogava, e o seu inseparável sutiã, ainda mais velho e encardido. Marquinho morria de vergonha do irmão e um dia, numa briga que os dois tiveram, coisa de criança, Marco pegou o sutiã do Marcelo e atirou pela janela, três andares abaixo.

- NÃÃÃÃOOOO! MEU SUTIÃ! Berrou Marcelinho a plenos pulmões. O prédio inteiro tremeu, quando a mãe chegou no quarto, apavorada, deu de cara com o Marcelinho pendurado no pescoço do irmão, dizendo que iria matar o pobre do Marquinho. A muito custo ela conseguiu separar os dois, depois, chegou até a janela e viu que o sutiã havia voado e caído no teto do bar da esquina, duas casas adiante. Então a mãe tentou acalmar o filho dizendo que ia trazer o sutiã dele de volta. Em seguida chamou o marido e pediu que ele a companhasse até o bar da esquina, pois o Marco tinha jogado o sutiã do Marcelo no telhado do botequim. O marido achou aquilo uma maluquice, mas teve que ir, pois não agüentava mais o choro histérico do filho, incomodando a vizinhança. Quando chegaram ao bar, o pai procurou o gerente e disse a queima roupa:
 - Moço, o sutiã do meu filho caiu no telhado do seu bar e eu tenho que subir lá pra pegá-lo senão a criança não pára de chorar, sabe como é que é, é um sutiã de estimação.
 O gerente do bar primeiro pensou que fosse gozação de bêbado, mas diante da insistência e da ausência de cheiro de álcool no vizinho, ele deixou que o pai subisse no telhado do bar. O sutiã enfim foi resgatado, não sem danos, pois como estava emaranhado em um monte de fios e na antena externa da televisão do estabelecimento, o pai ao puxar o sutiã, escorregou e este rasgou ao meio. Marcelinho quando viu o seu sutiã partido em dois, berrou o seu célebre “NÃÃÃÃOOOO” e ficou sem falar com o irmão pro resto da sua vida.

Marcelo foi crescendo deprimido, desde que teve o seu sutiã partido em dois. Mal comia, às vezes não queria tomar banho e sequer conversava com a vovó e as titias, que seguiam lhe paparicando. Quando Marcelo fazia aniversário, ele não queria festa, não queria presentes, nada, só queria o seu velho sutiã inteiro de novo, coisa que a mãe tentara mas não conseguira, pois de tão velho e encardido, o tecido havia poído, não costurava mais, pois o sutiã estava dividido em dois para sempre. Quando passou a adolescência e Marcelo começou a se transformar num homenzinho, influenciado por Fabinho, seu amigo inseparável, Marcelinho passou a freqüentar academias de ginástica e a praticar a musculação. Os músculos apareceram rapidamente, Marcelinho se transformou num rapaz malhado, musculoso, com um peitoral de fazer inveja a qualquer nadador profissional, peitoral este, que ele exibia com orgulho em todos os lugares, fosse na praia ou no cinema, onde ele estava sempre usando aquelas camisetas apertadíssimas, que lhe valorizavam o peitoral trabalhado com esmêro.
 O sutiã, bem, os pedaços do seu velho sutiã, continuam guardados até hoje, junto com uma coleção de muitos outros que ele e o Fabio foram comprando ao longo do tempo. Hoje eles moram juntos e tem o seu próprio negócio, uma loja de roupa intíma feminina, num dos melhores shoppings da zona sul deo Rio de janeiro. O nome da loja? “O SUTIÃ DO MARCELO”, é claro.

FEIÚRA AMBULANTE

Desde o primeiro minuto, feiúra ambulante compreendeu que a vida é uma mentira, a começar pelo seu nome, “Artemônio”. Quando a parteira viu aquele recém nascido que ela acabara de trazer ao mundo, berrou:


- É mentira! Isso só pode ser arte do demônio.

A mãe quando olhou a cara do seu bebê, desmaiou e ao voltar a si não teve dúvidas, batizou a criança com aquele nome, Artemônio, um nome inventado, como tantos que existem por aí, especialmente em Salvador da Bahia, terra natal daquela feiúra. Seu pai sumiu no mundo, jurando que aquilo não era filho seu, de jeito nem qualidade.

Artemônio nasceu com dois olhos, duas orelhas, um nariz e uma boca, como qualquer ser humano aparentemente normal, pequenos detalhes no entanto, faziam a diferença. Pra começar, o troço saiu de dentro da mãe, não pela cabeça, como é comum, mas a parteira teve que puxa-lo para fora, pelos pés. Os olhos já estavam bem abertos, vesgos, um quase por dentro do outro de tão vesgos que eram, de forma que nunca olhavam para frente, sempre para o centro. O nariz adunco, curvo, daqueles de bruxa das estórias em quadrinho, apontando para o chão, e acentuando-se em tamanho à medida que o tempo passava. As orelhas eram pontiagudas, dos três lados, pareciam dois triângulos grudados a um crânio maior do que o normal. Um verdadeiro cabeção. Ao nascer, o pequeno Artemônio não chorou, ao contrário, sorria um sorriso esquisito que emitia um som semelhante a um gato no cio, deixando à mostra, na sua boca quase banguela, o dente canino superior direito, já nascido e bem criado.

Com essa cara mal construída, logo que ele começou a fazer as suas primeiras aparições públicas, aos sete anos de idade, ganhou da vizinhança o apelido de feiúra ambulante, que Artemônio carregou com orgulho pelo resto dos seus dias. A cara de feiúra, sua mãe pôde guardar em segredo por sete anos, só os mais íntimos, os da família, tinham acesso aquela deformidade que crescia feliz e contente, como se não fosse com ele o acontecido. O dente canino superior direito foi arrancado umas quatro vezes, mas voltava a crescer de novo, ainda maior, de maneira que depois da quarta tentativa de extirpar a anomalia, sua mãe desistiu do feito e feiúra seguiu pela vida exibindo aquele dentão pontiagudo, que não cabia na boca e se lhe escapava pelo canto dela.

É mentira! Esta era a reação de espanto mais comum que todos tinham ao se deparar com feiúra ambulante. Esta foi a primeira coisa que os seus ouvidos aguçados escutaram e este passou a ser o bordão da sua vida. Como as crianças aprendem por repetição, tudo aquilo que escutam e vêem, assim como os papagaios, Artemônio, passado algum tempo escutando aquela expressão sempre que alguém se deparava com ele, decodificou aquelas palavras como uma saudação, um “olá”, “como vai você”, de forma que sempre que encontrava alguém, antes que a pessoa abrisse a boca, ele mandava um sonoro “é mentira”, ao invés de “bom dia”, “boa noite” ou coisa que o valha. Já adolescente, quando o povo já estava acostumado com aquilo e lhe saudava “oi feiúra, como vai?”, ele respondia contente:

- É mentira!

O segredo mais bem guardado no entanto, só a mãe e a parteira, que morreu de depressão, logo depois de fazer o parto de feiúra, sabiam, além do próprio é claro. Artemônio nasceu com um sexo descomunal, comprido, fino e com duas cabeças, portanto além de ver o mundo aos pares, devido a sua zarolha exagerada, ele também urinava por dois e quando veio a adolescência, aos dez anos de idade e o seu pau mal cabia dentro das calças, ejaculava duplo, pelas duas cabeças, logo, a vida de feiúra era por assim dizer, um gozo duplicado. Com o tempo, veio o vício da masturbação e a este prazer, ele se entregou até conhecer Milsabores.

Maria Del Milsabores, era filha de ciganos chineses, tinha os olhos grandes esverdeados, linda. Os seus peitos e bunda eram enormes, redondos, fartos. Maria gostava de botar tudo o que via na boca. Milsabores não havia passado da fase oral, chupava os dedos da mão e dos pés, lambia tudo que passava diante dos seu olhos, tudo ela queria provar, sentir o sabor e quando conheceu Artimônio, foi paixão à primeira vista.

Quando ele botou os seus olhos trocados em cima dela e viu quatro peitos deliciosos dando sopa, logo gritou:

- É mentira!

Ela enxergou de cara aquele volume imenso por dentro das calças largas que ele usava e nem percebeu a cara feia que ele tinha. Então caíu de boca na cobra de duas cabeças de feiúra ambulante e ele nos peitos maravilhosos dela. E os dois seguiram pela vida afora jorrando juntos o leite de sua cobra e peitos, numa prova inequívoca de que o amor é uma mentira, pois quem ama o feio, bonito só lhe parece se este tiver muito dinheiro, e este não era o caso do personagem em questão, além do mais, não existe pênis com duas cabeças nem ninguém tão horripilante como o sujeito acima descrito, tampouco ciganos chineses, de olhos grandes, esverdeados. Portanto faça como Artemônio, se alguém lhe disser algum dia que te ama, olhe bem nos olhos da criatura e responda:

- É mentira!

A DUPLA CERTINHA


Um gostava de laranja e o outro de verde limão, até aí tudo bem, pois o que seria do pêssego se todos gostassem da maçã? Acontece que quando chegava o carnaval, um queria cair no samba e o outro ver pela televisão, nada demais até então, liberdade de direitos acima de tudo, afinal eles eram a dupla certinha, feitos um para o outro, pois tinham a mesma altura, a mesma pele morena, um pouco mais clara que a do outro, mais ainda assim morena e os narizes, de tão parecidos que eram, pareciam saídos da mesma fornalha. Os nomes tinham a mesma inicial, que rimava o de um com o do outro e até o sobrenome era igual. Incrível esta dupla certinha que de certo nada tinha afinal. Um guardava datas com precisão, não lhe escapava um aniversário, fosse de amigo, parente ou irmão, nascimento, morte, atropelo e inauguração, ele sabia de cor, dia, mês e ano e não tinha discussão. O outro ao contrário, se esquecia de tudo que fosse festejado, geralmente à dois, ou em família. Natal, ano novo, dia santo e feriado, dia dos namorados, tudo isso ele fazia questão de dizer que não via. Um falava pelos cotovelos, parecia que tinha engolido um rádio e cheirado carreiras noites inteiras. O outro guardava tudo calado e escutava com aparente paciência os monólogos da outra parte da dupla, que não perdia nenhum detalhe da sua dissertação, cheia de imaginação e força. Um se prendia a detalhes, enquanto o outro voava no abstrato. Um sonhava alto e o outro comprava pano barato, pra economizar nas contas, se equilibrar pro futuro, pois enquanto um planejava tudo, o outro dava saltos no escuro. Um comia carne vermelha, fritura e sementes de tomate. O outro tomava mel de abelhas, vitamina de banana com aveia e chocolate. Um adorava futebol, decorava as tabela dos campeonatos, sabia todos os resultados, não perdia os gols da rodada por nada deste mundo e era tricolor roxo. O outro era rubro negro. Um gostava dos dias ensolarados, desde que ele estivesse na sombra, com bloqueador trinta, grama e cadeira. O outro queria o sol fervendo na cara, a beira do mar, cerveja e areia. Um só tomava banho frio, dizia que fazia bem a pele e a circulação, coisa que aprendera com o avô materno, ainda criança e nunca mais esquecera, nem deixara de tomar o seu banho gelado diariamente. O outro ficava horas debaixo do chuveiro quente, dizia que o vapor quente relaxava, e assim ficava, se esquecendo do tempo. Um adorava viajar, comprar passagem e voar, especular o novo, o infinito. O outro acendia um baseado. Um era um samba light, guaraná com bossa nova. O outro rock and roll, som alto na caixa e cachaça com coca cola. Um vivia ligado e o outro nem dava bola. Um era um aquário cheio de peixes e o outro era mais um peixe dentro daquele aquário. Mas um pensava no outro todos os dias e o outro também. “Um amor que existia e que só podia ser explicado, se acreditarmos na possibilidade da alma e do espírito”, como um escreveu para o outro um certo dia. Um amor que nunca se encontrava, pois se um chorava, o outro sorria, se um caminhava, o outro corria, quando um se alongava o outro se encolhia, enquanto um despertava, o outro adormecia e sonhava os seus sonhos, separados um do outro, pois mesmo quando dormiam juntos, sonhavam sonhos separados. E assim sucessivamente, dia após dia, os dois seguiam se amando, estivessem aonde estivessem, cada qual no outro lado da sua própria linha, pois afinal eles eram a dupla certinha.

O PAU DE CARRARA

PAU

PAULEIRA

PORRADA

TEM O PAU DE SÊBO

E O PAU DE ARARA

TEM ATÉ MESMO

O PAU DE CARRARA.

MARMÓREO

BRANCO

QUASE ROSADO

LONGO

PERFEITO

SEM CIRCUNCISÃO

BICO OU DEFEITO

QUANDO EM REPOUSO

QUASE INANIMADO

AINDA ASSIM MANTEM

SUA BELEZA RARA

PAU

PAULEIRA

PORRADA

TEM O PAU DE SÊBO

E O PAU DE ARARA

MAS BONITO MESMO

SÓ O PAU DE CARRARA.

VIA SEDEX

Pedro e Bruno se conheceram num final de tarde, dentro do banheiro de um cinema pornô, no centro do Rio de janeiro. Cinemas como aquele são comuns nas grandes cidades, seus freqüentadores são pessoas de todas as clases sociais, homens de negócio, estudantes, garotos de programa, travestis, uns poucos casais de namorados, homossexuais convictos, outros nem tanto, todos entretanto com um único objetivo em comum, sexo. O que está sendo exibido na tela, muitas vezes é o que menos importa, já que a diversão maior acontece mesmo é na platéia, ou nos banheiros.
Bruno era casado, pai de quatro filhos, empresário bem sucedido, um tipo atraente sem ser bonito, branco, seus metro e setenta de altura, magro, beirando os quarenta e entrou naquela sala de projeção atraído pelo anúncio de “DOIS FILMES PORNÔS TODOS OS DIAS”. Bruno ficou curioso, tivera um dia tenso e queria relaxar, conhecer algo novo, diferente, não estava necessáriamente em busca de aventura, mas instigado pela curiosidade masculina, resolveu entrar e logo percebeu que a imensa maioria das pessoas ali presentes eram do sexo masculino também. Uma vez lá dentro, Bruno se dirigiu ao banheiro, estava nervoso e queria mijar, sentia uma sensação adolescente, que há muito não sentia, pois estava transgredindo a ordem da pacata e previsível vida que levava, da casa para o trabalho, do trabalho para casa, as vezes uma pizzaria com a mulher e os filhos, futebol no final de semana com os amigos, ver o Fluminense jogar no maracanã de vez em quando, e uma ou duas vezes por semana, fazer amor com a patroa, com quem era casado há mais de quinze anos.
Assim que entrou naquele banheiro mal iluminado, Bruno percebeu uma movimentação estranha, lenta, esfumaçada. Vários homens em atitude suspeita, tensa, desconfiada, se revezavam nos mictórios e nos dois únicos reservados do lugar. Bruno esperou que um dos reservados desocupasse e quando dois rapazes saíram lá de dentro, ele entrou e mijou. Quando terminou e deixou o reservado, deu de cara com Pedro, um moço que aparentava seus trinta anos, moreno, corpo atlético, um pouco mais baixo que ele, e que estava plantado na porta entreaberta do reservado, observando Bruno se aliviar. Os dois se encararam rapidamente e Pedro entrou, deixando a porta também entreaberta. Bruno não conseguiu sair daquele banheiro de imediato, estava preso por uma estranha excitação que nunca sentira antes e ficou ali, em pé, diante da porta entreaberta aonde podia ver o corpo de Pedro na penumbra, olhando para ele, com o pau pra fora, como se estivesse mijando. Bruno começou a suar frio, tremia da cabeça aos pés, tinha a boca seca, seu o coração batia num ritmo acelerado. Foi quando percebeu que Pedro estava excitado, o pau duro, e fazia sinal com a cabeça para que Bruno entrasse naquele pequeno quartinho.
Sem racionar, sem saber porque, num ímpeto, Bruno entrou e assim que estava lá dentro Pedro fechou a porta e a trancou por dentro, em seguida, abriu a braguilha da calça de Bruno, que já estava excitado, e tirou o pau dele pra fora, começando a masturba-lo lenta e suavemente, depois se abaixou e engoliu aquele pau branco, rosado, marmóreo, com boca gulosa. Bruno se esqueceu do mundo por uns segundos, estava tonto, deliciado, nunca ninguém o havia chupado daquele jeito. Quando já estava quase gozando, Pedro se levantou e segurou o pau de Bruno com força, impedindo que o gozo saísse, depois tentou beija-lo na boca. Bruno afastou o rosto. Pedro então colou Bruno contra a porta e sussurrou dentro do seu ouvido:
- Meu nome é Pedro, gostei de você, vamos sair daqui, eu moro aqui perto, moro sozinho e vou fazer você gozar como você nunca gozou na vida.
Bruno estava cego de tesão, um tesão animal, tinha vontade de gritar, de bater naquele cara que o imprensava contra a porta do reservado escuro. Ele sentia o corpo de Pedro colado ao seu, quente, transpirando, o pau do outro latejando nas suas pernas, por sobre as calças frouxas, a respiração do outro ofegante no seu pescoço. Ele disse não com a cabeça, a voz lhe faltava, mas Pedro o apertou ainda mais forte contra a porta, com uma mão segurava firme o seu pau enquanto que com a outra pegou a mão de Bruno e levou até ao pau dele. Bruno não resistiu e sentiu o pau macio e rijo de Pedro latejando em sua mão. Todo homem é um heterossexual convicto até o dia em que ele pega no pau de outro homem.
Pedro era um jornalista desempregado, que vivia de pequenos bicos em agencias de publicidade sem expressão ou escrevendo artigos para jornais independentes. Ele Morava sozinho num apartamento conjugado, alugado num prédio antigo, em um bairro próximo ao centro da cidade. Os dois saíram do cinema para o apartamento de Pedro que cumprira o que prometera, fizera Bruno gozar como nunca havia gozado antes. De todas as formas de amar eles se amaram e os encontros foram se repetindo sucessivamante, sempre no apartamento de Pedro, pois era mais seguro para Bruno, longe do bairro em que ele morava e também longe da sua empresa. A única condição que Bruno impusera ao seu amante é que ele nunca daria ao Pedro, nem telefone, nem endereço, pois queria manter o seu casamento e a sua família a salvo daquela loucura. Apenas o Bruno procurava o Pedro, apenas o Bruno ligava para o Pedro, e aparecia quando queria e podia. Pedro aceitou o jogo, pois Bruno o ajudava nas despesas da casa, pagava as contas, fazia o mercado, enchia Pedro de presentes e Pedro, foi se acostumando àquelas comodidades que o seu amante lhe proporcionava.
Tudo na vida é secreto, mas até o segredo mais fundo, mais cedo ou mais tarde sempre é descoberto. Bruno estava totalmente transtornado com a nova vida, relaxou nas precauções, excedeu horários, que passaram a ser cada vez mais confusos. Sua mulher acostumada à boa vida que o marido lhe dava, passou a ficar desconfiada. Por várias vezes não encontrava o marido no escritório em horário de expediente, ele chegava sempre muito tarde. Era uma amante, ela não tinha dúvidas. Encostou o marido na parede. Ele negou, mas as suas desculpas não convenciam. Ele não procurava mais a mulher e ela agora já estava convicta de que o marido tinha outra. Silenciosamente passou a seguir os passos do marido por conta própria, tinha tempo de sobra para isso. Ela não queria perder o status que aquele casamento lhe dava para outra e apertou a vigilância, controlando horários, as ligações telefônica, checando a memória do celular do marido religiosamente. Nada. Nenhuma pista concreta para aquela mudança radical no comportamento do esposo. Passou então a seguir os passos dele ainda mais de perto. Ele saía, ela dava um tempo, pegava o carro e saía atrás. Ela dava horas de plantão na esquina da rua da empresa da família, esperando que ele saísse e o seguia, sem que ele percebesse que estava sendo seguido.
Finalmente ela chegou ao endereço que ele repetia todos os dias sem falta, inclusive aos sábados quando ele dizia que ia jogar futebol com os amigos, inclusive aos domingos, quando ele dizia que ia ao maracanã ver o Fluminense jogar e era dia de Flamengo e Vasco. Todos os dias ele ia ao mesmo endereço, um prédio antigo, num bairro próximo ao centro da cidade.
De repente Bruno sumiu. Não ligava mais, não aparecia mais e como Pedro não tinha nem telefone nem endereço do amante, ficou a ver navios. Passaram três, quatros dias e nada, Bruno sumira sem deixar rastro. Não tinha havido nehuma briga, nenhum desentendimento, nada, tudo estava indo normalmente bem, sem conflito e sempre com muito prazer para os dois. Pedro estava pirado, procurava e não encontrava uma razão lógica para o sumiço do seu amante.
Passado uma semana do desaparecimento de Bruno, Pedro chega à portaria do prédio onde morava e o porteiro lhe entrega uma caixa do sedex endereçada a ele, Pedro de tal. No remetente, um nome que ele desconhecia, Maria de tal. Pedro recebe a caixa e sobe até o seu apartamento, curioso por saber o que ela continha. Ao chegar em casa Pedro começa a abrir a caixa cuidadosamente e logo sente um cheiro forte de formol. Dentro da caixa um vidro de maionese envolvido num papel branco e colado ao vidro, um bilhete escrito com letra bem desenhada, provavelmente de mulher, que dizia: “ELE LHE DEU PRAZER E ME DEU QUATRO FILHOS LINDOS. AGORA ELE NÃO TEM MAIS SERVENTIA NEM PARA VOCÊ NEM PARA MIM”. O coração de Pedro gelou. Aos poucos ele foi descolando o papel grudado ao vidro de maionese e descobrindo o seu escabroso conteúdo. Era o pau de Bruno, cortado com saco e tudo, embebido em formol e enviado para Pedro, num vidro de maionese, via sedex, provavelmente pela viúva do seu ex-amante.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

QUANDO TUDO PARECIA PERFEITO...

Tudo parecia perfeito, Adão, Eva, o amor dos dois, o paraíso, e no meio deles, o tédio, a solidão. Eva, mais impaciente, mais entediada e mais curiosa que Adão, um dia se encontrou com a serpente e esta lhe ofereceu a maçã, que ela comeu sem oferecer resistência e por causa deste pequeno deslize feminino, foram os dois expulsos do paraíso. Tiveram então que recomeçar a vida em outras paragens, onde não houvesse nem serpentes, nem maçãs e a entediada Eva pudesse viver livre de outras tentações. Vieram os filhos, Caim e Abel. Abel, por ser o caçula era mais mimado e mais querido que o seu irmão Caim, este então, morto de ciúmes por se sentir rejeitado e por suspeitar ser filho de outra serpente que não a serpente de Adão, seu pai, matou Abel com uma pedrada na cabeça, pensando que assim se livraria do ciúme e da inveja que sentia do próprio irmão e também, porque pensava que herdaria tudo sozinho, quando seus pais partissem daquela para melhor.
Tudo parecia perfeito, até que Eva comeu da maçã, foi expulsa do paraíso com o seu Adão e pariu Caim e Abel, que foi morto pela inveja do primeiro e provavelmente, por causa disso tudo, muito mais tarde, Joel deixou Teresa para viver com Antonieta, que depois o envenenou para se casar com Honório, por ser este um rapaz rico e poderoso mas que gostava de Gustavo, que era casado com Margarida, que amava Joana, irmã de Maria Clara, que de clara não tinha nada, pois era uma preta alta e forte, que costumava dar pra todo mundo na beira do cais, onde aportam os barcos, que vêm e vão, trazendo e levando estórias, cantos e desencantos de amor, como a do amor de Adão pela sua Eva, que foi tentada pela serpente e sem resistir comeu da maçã e que depois pariu o invejoso Caim, que matou o seu irmão Abel, com uma pedrada na cabeça, pensando em herdar tudo sozinho, quando tudo parecia perfeito.

A SUBSTÂNCIA LOUCA

UMA SUBSTÂNCIA LOUCA
ENTROU PELA MINHA BOCA
E FOI ATÉ O CORAÇÃO
E ME DEIXOU TONTINHO
QUASE ROXO
AZUL MARINHO
UM VERDE PÁLIDO FUGAZ
A SUBSTÂNCIA LOUCA
É A LOUCURA POUCA
QUE ME DEIXA EM PAZ
ME SOBE UM FRIO NAS COXA
ME APARECE UMA MANCHA ROXA
FICO RUBRO AO PENSAR
NA SUBSTÂNCIA LOUCA
ESSA LOUCURA POUCA
DO MEU CORAÇÃO
SÃO DÚZIAS DE CAMÉLIAS
LÍRIOS
DÁLIAS
VIOLETAS
ROSA CHOQUE E LILÁS
E ENTRE O MEL E A SOPA
ENTRE O BOTÃO E A ROUPA
ENTRE O QUE NÃO FICOU PRÁ TRÁS
ENTRE O QUE ESTÁ NA FRENTE
ENTRE O BICHO E A GENTE
NUNCA PARE DE ENTRAR

A SUBSTÂNCIA LOUCA IÁIÁ
A SUBSTÂNCIA LOUCA IÁ
QUERO NUM BALAIO GRANDE
UM MONTE DELA

Letra e música de Ricco duarte, gravada e regravada nos cds, "Tudo é Música", "O menino buliçoso" e "Bossanova blue"


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

TUDO COMEÇOU NUMA LONGÍNGUA QUARTA FEIRA DE CINZAS...

Tudo começou numa longíngua quarta feira de cinzas, em Salvador, na Bahia, de todos os sons, na rua dos artistas, uma simplória rua no bairo do Garcia, de todos os sambas, bairro de Riachão, Pepeu Gomes e da escola de samba baiana mais famosa dos tempos pré axé, a Juventude do Garcia, que certamente naquela quarta feira deveria estar comemorando mais um campeonato. Foi naquele dia, um seis de março de mil novecentos e antigamente, que eu cheguei ao mundo, pelas mãos de dona Leonor, uma parteira conhecida da familia que trouxe ao mundo cinco dos seis filhos que seu Eduardo e dona Nalva botaram no mundo. Nessa rua de chão batido, cresci escutando os primeiros sons, que vivem na minha alma até hoje, como o som dos atabaques do terreiro de candomblé, que ficava nos fundos da nossa casa e o som dos Lps da Dalva de Oliveira e da Angela Maria, que não saíam da vitrola, uma peça gigante e respeitadíssima naquela casa, que ficava num canto da sala de jantar, imponente, e que por ali, por aquela vitrola, passearam também, "o casamento da dona baratinha", "festa no céu", "o gato de botas" e outras estórias infantis que o meu pai comprava em forma de disco, para colorir a nossa infância, embora ele mesmo fosse um exímio contador de estórias da carochinha, coisa que ele sabia fazer como ningúem. O som dos atabaques, as vozes mágicas de Dalva e Angela e as estórias que o meu pai contava, foram as substâncias, loucas, que nortearam a minha vida.
Quando eu não estava escutando música ou estórias da carochinha, estava lendo, ou imaginando as minhas próprias estórias, que eu recusava em colocar no papel, pois eram impróprias para menores. Jogar bola com os outros garotos, colocar os pés no chão batido, nem pensar. Fui uma criança velha para uns e maricas para muitos. Preferi simplesmente não ser criança. Era chato falar fino, usar calças curtas e não ter autonomia, voz de comando, então resolvi ser artista quando crescesse.
Não sei se por ter nascido num rua com um nome como esse, "dos artistas", que desde pequeno decidi que seria um deles. Bom, encurtando a longa história de lá até aqui, me tornei um artista da vida. Aprendi a tocar violão com meu irmão Lula, que me mostrou as primeiras dissonantes, o samba e a música de João Gilberto, substâncias decisivas para que eu fosse a luta. Primeiro nos festivais colegiais, depois nos universitários, quando eu estudava comunicação. Depois de formado em jornalismo, vim para o Rio de janeiro. Fazer jornalismo? não, fazer música! Toquei em quase todos os bares e botecos da cidade, do Leme ao Pontal, "tomei centenas de chás de cadeira" na porta das gravadoras, com as minhas demos, gravadas em fita cassete nas mãos, e por fim, gravei dois cds independentes e tive algumas canções gravadas por outros artistas de menor expressão. Uma dureza, as contas vencendo e eu me virando nos bares da vida. Depois, cansado de me virar para pagar as contas, fui viajar pelo mundo com a minha música, violão debaixo do braço, navegando pelos sete mares do planeta, tabalhando nos navios de luxo de uma companhia de cruzeiro, tocando bossa nova e o que mais se parecesse com bossa, ou tivesse bossa.
Passados tantos anos, ainda não virei um artista daqueles que eu sonhava quando era criança, daqueles que aparece na televisão e que não pode sair na rua a não ser acompanhado de seguranças e que tais e que moram em mansões na Joatinga ou nos condominios de luxo da Barra. Mas nesses anos todos, em que eu paguei as minhas contas sempre em dia, eu me diverti pra caramba, com a minha música. Rodei o mundo, tomei porres homéricos, gargalhei e chorei a beça, amei e fui amado, vivi "zilhões" de estórias, contei e cantei outras. Escrever histórias foi uma substância que renasceu em mim, justo quando fui navegar pelo mundo, trabalhando em navios de cruzeiro. Quando me dei conta havia escrito dois romances e um sem número de contos, cronicas e poesias, que pretendo ir por enquanto, publicando por aqui, neste blog, enquanto as editoras não se animam a publicar os originais dessas "estórias", algumas impróprias para menores, inspiradas naquelas que eu imaginava quando usava calças curtas e que ainda vivem cantando na minha alma até hoje. Divirtam-se e se beber, chamem um taxi.