quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A BATERIA DO CELULAR

          NO EXATO MOMENTO EM QUE ÍAMOS DIZER ADEUS, EU TE AMO, LIGA SEMPRE QUE PUDER, MANDA UM EMAIL, A BATERIA DO CELULAR ACABOU E NÃO HAVIA TEMPO PARA MAIS NADA. A FILA DE EMBARQUE JÁ ANDAVA LONGE, OS COMISSÁRIOS OLHANDO IMPACIENTES, AQUELA METADE AMANTE SE DESPEDINDO AFLITA, CORAÇÃO APERTADO, OLHOS DISTANTES, PLUGADOS NO OUTRO LADO DE UMA LINHA IMAGINÁRIA, QUE DIVIDIA A FRONTEIRA ENTRE A INCERTEZA E A SAUDADE.
          PARTIMOS SEM DIZER ADEUS, EU TE AMO, LIGA SEMPRE QUE PUDER, MANDA UM EMAIL, NADA. SIMPLESMENTE O SILÊNCIO DA LIGAÇÃO INTERROMPIDA, FOI ROMPIDO PELA VOZ DO COMISSÁRIO IMPACIENTE, AVISANDO QUE EU ESTAVA ATRASADO PARA O MEU VÔO.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

AMOR PERVERSO


De Ricco Duarte
AMOR PERVERSO

EU TE AMO MEU AMOR
ACREDITE NISSO POR FAVOR
E QUERO QUE SOFRAS POR ISSO
QUERO QUE SE TORTURE
POR EU TE AMAR TANTO
NÃO QUERO QUE OLHES MAIS
PARA OS LADOS
NEM PARA ADIANTE
NEM PARA TRÁS
OLHE APENAS PARA MIM
VIVA SOMENTE PARA MIM
EU SOU O TEU AMOR
E QUERO QUE PADEÇAS COMIGO
QUERO QUE FIQUES DOENTE
QUE PERCA AS FORÇAS
E QUE DEPENDAS DA MINHA MÃO
PARA TODAS AS COISAS
QUERO QUE FALES PELA MINHA VOZ
QUE VEJA COM OS MEUS OLHOS
COMA COM A MINHA BOCA
E ESCUTE COM OS MEUS OUVIDOS.
QUERO TAMBÉM QUE TE PARALISES
PARA QUE EU SEJA AS TUAS PERNAS
E A TUA CADEIRA DE RODAS
PARA QUE NUNCA MAIS POSSAS CAMINHAR
SEM A MINHA AJUDA
QUE EU SEJA AS TUAS MULETAS!
QUERO QUE CHORES TODOS OS DIAS
POR TERES ALGUÉM COMO EU
QUE TE AMA MAIS QUE TUDO
QUE TE ATA AO PÉ DA CAMA
E QUE TE TRANCA POR FORA
PORQUE SÓ EU TENHO A CHAVE
DO QUARTO ONDE TU CONFINARÁS
NÃO TENS COMO ESCAPAR PORTANTO.
EU SOU A RÉSTIA DE LUZ QUE LHE CABE
A ÚNICA JANELA DA TUA VIDA
O TEU AMOR PERVERSO
A TUA DOR E O TEU ALÍVIO
A ÚNICA BOCA QUE TE BEIJA
O TEU ÚNICO ABRAÇO
PORQUE SÓ EU POSSO
TIRAR O FRIO INTENSO QUE SENTES
NO TEU CORPO E NA TUA ALMA
EU SOU O AGASALHO DA TUA ALMA.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

MÚSICA E FUTEBOL

          Acompanhando a rodada dos campeonatos brasileiros da série a e b ( sim, eu também acompanho a série b) me chamou especial atenção a grande quantidade de jogadores com nome de artistas e cantores da nossa música popular. A relação música e futebol é única, o canto das torcidas nos estádios, as charangas e baterias de escolas de samba a empurrar os times de coração para frente, são uma coisa emocionante e um espetáculo a parte, talvez por isso as mães na tentativa de unir o útil ao agradável, na esperança de que se o filhote não der certo no futebol, vai dar certo na música ou pelo menos ter nome de artista, decidiram batizar os seus rebentos com o nome dos nossos ídolos da canção. O caso mais famoso é o do nosso rei, Roberto Carlos, que inspirou provavelmente os pais do nosso craque da seleção. Neste final de semana anotei alguns outros nomes dos nossos artistas da bola que também tem nomes de artistas da música. Só na partida entre Atlético Goianiense e Brasiliense ( sim, eu sou louco por futebol, assisto a qualquer jogo, é terapêutico ), tinha Fagner, Fábio junior, Paulo Ricardo e Leo jaime, ou seja, não era um simples jogo, era um clássico pop, de segunda é claro. No enjoado time do São Caetano, tem o "Xuxa", xará da não menos enjoada estrela mirim de várias gerações do Brasil. No meu querido Fluminense ontem jogou o jovem Dalton, imagino ele chegando em casa depois de mais uma eletrizante e sofrida partida do Fluzão e pedindo prá mãe ou prá namorada, "cuida bem de mim". Antonio Carlos tem vários e torço para que alguns deles tenham sido batizados em homenagem ao nosso Tom Jobim. E indo de uma ponta a outra, não vamos esquecer do rei do brega escrachado nordestino, o Falcão, que provavelmente adotou esse nome em homenagem ao nosso craque e hoje comentarista da Globo. Viva a música e ao futebol também e se alguem souber de algum outro jogador com nome de artista é só me escrever. Paz nos estádios e no mundo.

domingo, 25 de outubro de 2009

DOMINGO NO ATERRO DO FLAMENGO.

          Pois é, me mudei há pouco tempo para o bairro do Flamengo e estou adorando. Apesar do nome, é um bairro tranquilo e charmoso e fica bem perto das Laranjeiras... Além da minha rua, a Oswaldo Cruz, que considero a mais bonita da cidade, o que eu mais curto no bairro é o Aterro, um dos parques mais belos do mundo. Aos domingos então, quando as pistas de alta velocidade são fechadas para lazer dos nossos habitantes, o Aterro fica ainda mais bonito, mais colorido, e como é imenso, muito mais tranquilo. As famílias podem passear em paz, jogar bola, fazer jogging, andar de bicicleta e as crianças se divertem a beça com as suas pipas colorindo o céu da cidade. Mas o que eu mais gosto mesmo é o último domingo de cada mês, quando a Secretaria municipal de cultura promove às duas horas da tarde, shows de choro, a essência da música brasileira. Hoje a atração foi o sensacional Maurício Carrilho e o seu grupo, que nos brindou com música da melhor qualidade, uma hora e meia de boa música, muito boa mesmo, que nos recarregou as baterias para enfrentar mais uma semana de batalha. E aqui vai um serviço de utilidade pública, no próximo ultimo domingo de novembro, dia 29, a atração vai ser o espetacular Carlos Malta, na minha opinião um dos maiores saxofonistas do Brasil, quiçá do mundo. Não percam! E tenham todos uma semana de paz.

sábado, 24 de outubro de 2009

TRICOLOR DE CORAÇÃO

          Por um abará, isso mesmo, por causa de um abará eu fui torcedor rubro negro por quinze dias. Era dia de Ba x Vi, o maior e único classico do futebol baiano e a primeira vez que eu fui a um estádio de futebol, aos dez anos de idade. Fui ao estádio levado pelo meu irmão mais velho, tricolor apaixonado e por dois primos meus, torcedores do Vitória. O Bahia tinha dez vezes mais torcedores que o Vitória, e os meus primos na tentativa de arregimentar mais um torcedor para a sua pequena torcida e sabendo que eu era louco por abará ( o mesmo que acarajé, só que cozido na folha de bananeira, uma delícia!), me compraram por um abará para eu ficar com eles do lado rubro negro. O Vitória ganhou o jogo por um a zero e eu fiquei na ilusão de que eles eram os melhores. Nas partidas seguintes, o Vitória perdeu todas para times pequenos do futebol baiano e o meu irmão mais velho, incomformado com aquela ovelha negra na familia, resolveu me levar para assistir a um Bahia x Ypiranga, o terceiro time em força de torcida naquela época. O Bahia ganhou o jogo, ganhou o campeonato e eu fui na onda do meu irmão, torcendo apaixonadamente pelo glorioso Esporte clube Bahia até o dia em que fui às Laranjeiras, assistir a um Bahia x Fluminense pelo campeonato brasileiro.
         Eu já estava morando no Rio de janeiro fazia alguns anos e fui ao jogo prestigiar o tricolor baiano e comemorar o meu aniversário, mas ao chegar lá, além de não haver um só torcedor baiano no estádio, eu me apaixonei instataneamente pela torcida tricolor carioca. Uma gente linda, educada, bem nascida, lotando aquele pequeno estádio que hoje só serve aos treinos da equipe. Era um colorido contagiante. O Fluminense ganhou de tres a um e eu saí de lá cantando que era "tricolor de coração, do clube tantas vezes campeão" e fui tomar um porre com meus novos amigos de futebol e torcida.
         O dia seis de março de 1989 ficou no meu calendário como o dia em que eu me tornei tricolor de coração. Não, não foi uma traição, foi paixão a primeira vista, ninguém me pagou sequer um refrigerante, abará então nem pensar, isso não existe infelizmente no Rio, mas havia um sentimento de fraternidade naquela "playboizada" bonitinha e bem vestida e eu me identifiquei de cara, já que eu sempre fui também um almofadinha, um cara letrado, educado, que nunca gostou de confusão (até pisarem nos meus calos). De quebra esse é o time de coração de dois dos meus ídolos, Nelson Rodrigues e Chico Buarque, e tem no seu elenco de torcedores, alguns personagens ilustres do meio cultural brasileiro, como Jô Soares, Nelson Mota, Artur Moreira Lima e tantos e tantos outros, de maneira que junte-se aos bons e serás um deles. Preferí ficar na boa companhia.
          Títulos ao longo desses últimos anos foram poucos. Além do célebre gol de barriga do Renato em 1995 e da campanha fabulosa na libertadores de 2007, foram poucas as glórias tricolores. Fomos rebaixados tres vezes, e no momento em que escrevo estas linhas, estamos a caminho do quarto rebaixamento, mas eu não ligo( mentira, fico puto a cada derrota) mas não me arrependo de ter trocado o tricolor baiano pelo carioca. O baiano está a caminho da série C mais uma vez e tem um time que é a cara da Bahia, cafuso, digo, confuso. Já nós, não perdemos a pose jamais e convenhamos, a série B é bem mais animadinha que a série A, Vasco, Corinthians, Palmeiras, Gremio, Botafogo e o próprio Fluminense que o diga. O Flu gostou tanto que está quase voltando outra vez, mas eu sequirei tricolor carioca para sempre, acompanhando os jogos e roendo as unhas até o apito final do juiz de campo e do juiz do céu.


                                                    A torcida mais linda do mundo


      Torcida tricolor em Barcelona na final da Libertadores. éramos quatro mas fizemos um barulho...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O VOVÔ MAIS SEXY DOS MARES

Trecho do romance "Jaime, o marinheiro"

A história do viúvo


Eu também contei as minhas histórias, melhor dizendo, estórias. Um navio é como uma pequena vila, uma comunidade onde vive um pequeno número de pessoas e como todo lugar pequeno, todo mundo sabe da vida de todo mundo. Isto eu percebi desde o meu primeiro contrato, daí que eu procurei me preservar ao máximo, dando o mínimo de informação possível sobre a minha privada. Ora, já não bastava ter que dividir cabine, aturar o ronco, os peidos, os arrotos e o mau cheiro de um desconhecido, e ainda ter que se fingir de intimo daquelas pessoas? Comigo não. Vida privada é vida privada e a minha, eu deixei em terra, a bordo eu era uma outra pessoa, ou melhor, varias pessoas. Inventei uma brincadeira de contar uma estória diferente para cada um. Sempre que me perguntavam algo sobre a minha vida pessoal, e eu percebia que era só por curiosidade, para passar adiante, eu inventava uma estória, de preferência dramática, porque o ser humano adora mesmo é ver a desgraça do outro. Como a estória de que eu era viúvo.

Sandra era uma peruana, descendente de japoneses, e trabalhava na recepção. Ela já estava naquela vida de navios há muitos anos e o seu grau de informação não passava da revista “hola”, ou “caras”, essas revistas de fofoca, de forma que ela era a fofoqueira mor do Brilliance. Sandra sabia da vida de Deus e o mundo, até da vida do Comandante. Se você queria saber das novidades, com riqueza de detalhes, perguntasse a Sandra, e ela lhe contava com o maior prazer.

Eu costumava sentar na mesma mesa todos os dias, seja no almoço ou no jantar, era uma mesa no canto, próximo a uma janela, para desfrutar da luz natural que eu não tinha na cabine. De vez em quando a Sandra vinha e sentava comigo para comer, e me contava as últimas, sem que eu perguntasse, é claro. Coisas do tipo, quem tinha comido quem na noite anterior, quem era veado, quem ia ser despedido e porque, e até quem tinha o pau pequeno e mau hálito. Sandra era um poço de cultura inútil. Num daqueles almoços em que eu era forçado a desfrutar da sua companhia, ela se estendeu até um pouco mais além da sobremesa e ficou ali, sozinha comigo, repassando o que não me interessava, até que ela me perguntou o que eu já estava esperando fazia um bom tempo.

- E você Jaime, você está sempre sozinho, raramente aparece no bar, nunca vem às festas, nem quando a bebida é de graça. Aposto que você tem uma namorada a bordo, ou será um namorado? Sabe como é, na vida de navio tudo é super normal.

Aquilo foi demais, mas não tanto quanto o que ela iria escutar. Eu abaixei a cabeça, fiz um ar de triste, fiquei calado por longos dez ou quinze cinco segundos, tempo suficiente para ela pegar na minha mão e dizer para eu não ficar encabulado, que podia desabafar, que ela não iria contar pra ninguém. Então eu respirei fundo e comecei a contar a minha estória solenemente, sem levantar os olhos da mesa, nem tirar a minha mão da dela.

- Sabe Sandra, eu não gosto de falar da minha vida pessoal, mas como você é de confiança eu vou lhe contar. Desde que a minha mulher morreu, de câncer, no cérebro, e eu tive que criar o meu filho sozinho, eu decidi que não iria nunca mais, ter outra pessoa na minha vida. A Rosana foi e é, o grande amor da minha vida, a mãe do meu único filho, a mulher que me amou, que se sacrificou por mim, a pessoa que eu mais amei e tenho certeza que foi a que mais me amou também, mais do que a minha própria mãe. A doença apareceu de repente, começou com uma dor de cabeça que não passava, quando os médicos descobriram já era tarde, ela morreu em menos de seis meses. Nosso filho tinha sete anos e eu tive que ser pai e mãe dele. Quando ele completou quinze anos, e já estava podendo se virar sozinho, apareceu esta oportunidade de vir trabalhar nos navios e eu aceitei. Deixei o meu filho na casa da minha mãe e aqui estou, para me esquecer desse passado, pois ainda me dói muito, a presença dela ainda é muito forte, por isso eu não vou as festas, e sou este cara triste que você está vendo.

Quando eu levantei os olhos, Sandra estava aos prantos, lágrimas de crocodilo rolavam dos seus olhinhos de japonesa emprestada. Eu segurei a sua mão com força e disse que estava tudo bem, que ela não chorasse, porque ali no navio eu era feliz, pelo menos tinha um trabalho que aliviava a minha dor e amigos de verdade como ela. Sandra enxugou as lágrimas e disse que sentia muito e me pediu desculpas por ter pensado mal de mim, que não tinha sido por maldade, mas como eu era muito calado, não conversava com ninguém, ela imaginou que eu tinha algum segredo. Eu respondi que tinha, mas que agora ela já sabia qual era e que não se preocupasse que eu estava bem, que eu tinha certeza que lá do céu, a Rosana estava olhando por mim e pelo nosso filho. Ela se despediu dizendo que já estava atrasada para o turno da tarde e foi embora me prometendo que iria guardar aquele nosso segredo a sete chaves.

Depois que ela saiu, eu fiquei na mesa segurando o riso por não mais de cinco minutos, terminando a sobremesa, quando chegou o Robert, um uruguaio que trabalhava no cassino e que tinha acabado de encontrar com a Sandra no corredor, fora do refeitório.

- Jaime, eu não sabia que você era viúvo, poxa cara sinto muito, encontrei a Sandra chorando no corredor e ela me contou a sua história.

Eu respondi contendo o riso.

- Pois é, ela lhe contou foi? Mas já está tudo bem, isso foi há muitos anos. Eu agora estou em outra.

Passei o resto daquele contrato sendo tratado como um idiota desamparado. As pessoas quando me encontravam, me olhavam como se eu fosse um coitadinho, mas não ousavam tocar no assunto. Eu me divertia imaginando o que eles comentavam pelas costas, e as coisas absurdas que especulavam. Aí eu fui me especializando no assunto, às vezes eu dizia, que nunca mais tinha conseguido ter uma ereção, que tinha ficado broxa, e me aproveitando disso, só comia quem me interessava de verdade, deixava me seduzir, me fazia de bobo e pimba, depois caía fora, como manda o figurino do bom marinheiro. Uma vez, para impor respeito, disse que o meu filho ia ser pai, e eu avô. Até ursinho de pelúcia ganhei de presente, de uma russa, que quis comer o vovô e me seduziu com um presentinho para o meu futuro netinho, acompanhado de um cartão que dizia: “para o vovô mais sexy dos mares”. Depois da russa, todo mundo queria comer o vovô, e eu segui tirando partido da situação, quando bem queria e a presa me apetecia.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

AMO TE LISBOA.


De Ricco Duarte
AMO TE LISBOA

AMO TE MAIS QUE TUDO
MAIS QUE TODAS
ÀS VEZES MAIS DO QUE A MIM MESMO
OUTRAS VEZES
MAIS DO QUE O MEU RIO DE JANEIRO
E SABENDO QUE É UM EXAGERO
AMAR TE DE TAL FORMA
AMO TE LISBOA.
POIS DE TI PARTIRAM UM DIA OS TEUS
PARA DESCOBRIR OS MEUS
E FAZER DE MIM O QUE SOU
AURI VERDE LUSITANO
CIDADÃO DO MUNDO
CARIOCA E BAIANO
BRASILEIRO
AMERÍNDIO E MULATO.
AMO OS TEUS CHEIROS
AS PEDRAS DOS TEUS CAMINHOS
AS TUAS VELAS AO VENTO
O PORTO DOS TEUS VINHOS.
AMO OS TEUS CASTELOS
OS TEUS SONHOS
E AS TUAS GUITARRAS
EMBALANDO A VOZ DE AMÁLIA
PRESENTE EM CADA ESQUINA
DO TEU CÉU.
AMO O AZUL DO TEU SOL
O NEGRO DO TEU FADO
OS TEUS POEMAS
VIVOS NOS VERSOS DE PESSOA
A REVELAR A BELEZA DO TEU ROSTO
SEM VÉU.
AMO TE MAIS QUE TUDO
POIS DE TI PARTÍ UM DIA
ABRINDO AS PORTAS DO TEJO
PARA CONQUISTAR O MUNDO.
AMO TE POR QUE SEI
QUE SEMPRE ESTARÁS
DE BRAÇOS E OLHOS ABERTOS
A ME ESPERAR E A ME GUIAR
COMO UMA MÃE
QUE NÃO VÊ O FILHO HÁ ANOS
COMO A AMANTE
QUE ENCONTRA NO SEU HOMEM
O CANTO.

A MULA

Trecho do romance "Jaime, o marinheiro"


A história do Nuno.


Lá no Serenade, teve uma época em que a comunidade que falava português era razoavelmente grande. Éramos quatorze, dois brasileiros, nove portugueses, um canadense filho de portugueses, um sul africano que morou em Lisboa por muitos anos e um angolano. O angolano se chamava Nuno, e era um mulato nem alto nem baixo, nem bonito nem feio, que estava começando a ficar careca e era muito calado. Estávamos no final de ano, perto do natal, quando alguém descobriu que se podia comprar bacalhau de boa qualidade em Porto Rico. Daí resolvemos comemorar o nosso natal a grande, como se diz lá em Portugal. Reunimos a pequena comunidade, pedimos autorização para usar o bar de staff e oficiais, que sempre estava vazio e desocupado, já que a maioria preferia mesmo era ir para o bar da tripulação, que era maior e mais animado, e organizamos o nosso natal, com direito a bacalhoada, música, troca de presentes e muito, muito vinho. Foi nessa noite que eu conheci o Nuno.

O Nuno tinha, segundo ele, vinte e seis anos, mas parecia ter muito mais de trinta. Eu sempre o via no refeitório, mas não sabia que ele falava português, nem que era angolano. Eu tinha levado, a pedidos, um teclado que conseguira emprestado com um dos músicos da orquestra e lá pras tantas, depois da troca de presentes e com muitos copos na cabeça, comecei a tocar. A turma toda em volta cantando, pedindo uma música e outra e eu lá, de super bom humor, atendendo aos pedidos e me divertindo também. Aos poucos o grupo foi diminuindo, pois alguns tinham que acordar cedo para trabalhar e no final ficamos eu, o Claudio, que trabalhava nos bares e o Nuno, que como eu fiquei sabendo naquela noite, trabalhava como garçon no dinning room. Ficamos os três, bebendo, eu tocando baixinho, e os dois escutando e conversando entre si. O Claudio pegou no sono e o Nuno se aproximou e foi logo dizendo:

- Pois é brazuca, faz tempo que o senhor trabalha aqui nos navios?

Eu respondi que aquele já era o meu sexto contrato e perguntei quantos contratos ele já tinha feito. Ele respondeu que era o primeiro e com certeza o último. Eu disse que já conhecia aquela estória e perguntei como ele veio parar ali. Ele já estava muito bêbado, mas firme. Então sorriu e me disse que estava ali fugido da polícia. E explicou na maior naturalidade, enquanto eu continuava tocando e escutando a sua história.

- Eu trabalhava em Luanda para um alemão filho da puta que era traficante de drogas, eu era uma espécie de gerente da boca, o senhor entende? Mas fui me meter com a mulher do sujeito, uma preta gostosa que de vez em quando eu comia. A preta era safada, dava pra todo mundo e o gringo desconfiava. Um dia lá, a preta apareceu morta, com dois tiros na cara e o gringo quis me incriminar. Antes que a policia me pegasse, eu fugi pra Lisboa e lá eu arrumei serviço num cargueiro que vinha pros Estados Unidos. Arrumei os papeis e fui pra Miami. Em Miami eu trabalhei num restaurante indiano, até que eu vi o anúncio que estavam recrutando garçon para trabalhar em navio de cruzeiro e aqui estou. O senhor tem cara que gosta de uma farinha. Eu soube que em San Juan...

Antes que ele continuasse eu o interrompi dizendo que ele tivesse cuidado de comentar essas coisas dentro de um navio, porque ali dentro ninguém podia confiar em ninguém. Ele falou que “o gajo estava a dormir”, se referindo ao Claudio. E continuou dizendo que em San Juan ele tinha conhecido uns caras que tinham uma farinha da boa. Eu dei risada e disse que se era farinha não podia ser da boa, pois farinha no Brasil era droga malhada, misturada, de má qualidade. Ele riu e perguntou se eu não queria ir com ele na próxima vez que o navio parasse em Porto Rico, para comprar da boa. Eu disse que não cheirava mais e que ele não levasse aquilo pra dentro do navio, pois se pegassem, ele estava frito. Nesse ponto o Claudio acordou e eu achei melhor dar por encerrada aquela brincadeira natalina. Arrumamos e limpamos o salão e eles me ajudaram a levar o teclado de volta até o teatro.

Mas o Nuno não largava do meu pé. Virava e mexia, lá estava ele, aonde quer que eu estivesse tocando, dizendo:

- Ô pá, passei por aqui só pra escutar a sua música, o senhor toca muito bem, se eu soubesse tocar assim, não estaria carregando bandeja.

Um dia, eu estava num intervalo, indo em direção ao banheiro, quando encontro com o Nuno, uniformizado, cheirando a álcool e todo sorridente, logo ele que era um sujeito calado, todo fechado. Quando ele me viu, veio na minha direção e estendeu a mão para me cumprimentar. Eu estendi a minha também e senti que ele estava tentando me passar algo, que havia algo como uma pedaço de papel entre a sua mão e a minha. Eu retirei a minha mão e um papelote de cocaína caiu no chão, aos meus pés. Ele se abaixou, recolheu o troço do chão e me disse baixinho:

- Pô brazuca, vai me fazer essa desfeita, estou indo embora daqui a duas semanas, vou levar um carregamento pra Europa, e trouxe uma mostra pro senhor matar a saudade. Se o senhor gostar podemos fazer sociedade. Eu sei que no senhor eu posso confiar.

Eu sorri fingindo estar achando engraçado aquilo tudo e disse baixinho também, sorrindo e olhando nos olhos dele, que ele sumisse com aquilo dali naquele minuto, que ele podia sim confiar em mim, mas que eu ia fazer de conta que não tinha acontecido nada e que ele fosse escovar os dentes e colocar um desodorante, por que ele estava cheirando a álcool, muito forte e que se um passageiro reclamasse, ele estaria em maus lençóis. Ele disse que os passageiros que se fodessem, pois ele já estava indo embora mesmo, e que se eu mudasse de idéia, que o encontrasse no bar mais tarde.

Fiquei as duas semanas seguintes sem aparecer no bar. Na véspera dele ir embora, eu o encontrei casualmente e ele me falou todo misterioso.

- Como é que é ô brazuca, o senhor sumiu. Amanhã é o grande dia. Já tenho tudo arranjado, pego a carga no aeroporto e me mando pra Europa. Se quiser vir comigo, ainda está em tempo.

Eu lhe desejei boa sorte e brinquei com ele, dizendo que agora que ele iria ficar rico e livre daquela escravidão, não esquecesse dos pobres e que desse notícias, se pudesse. Nuno foi embora e nunca mais se soube dele. Eu fiquei lembrando do Dr. João Carlos, o médico brasileiro, que disse que iam tentar me fazer de mula, que iam me pedir para levar droga de um porto pra outro. De uma certa forma, quatro anos depois, o Doutor João ainda continuava acertando.





A LAVANDERIA

Trecho do romance "Jaime, o marinheiro".


A história da Adriana.


A lavanderia é um ponto de encontro. Existem geralmente, duas lavanderias para os tripulantes, com quatro máquinas de lavar e secar cada uma. Se você vai lavar roupa, é melhor levar um livro pra ler, ou uma música para escutar e ficar de plantão por lá até a sua roupa secar, pois se você vacilar, alguém pode tirar a sua roupa da secadora, ainda molhada, para colocar as dela, deixando as suas no chão, ou então, simplesmente podem roubar algumas peças, normalmente as íntimas. Eu nunca entendi a razão pela qual alguém pode roubar calcinhas, cuecas e meias que não lhe pertencem, mas em um navio as coisas não precisam de um motivo lógico para acontecer, de maneira que a lavanderia é um lugar que está sempre movimentado. As pessoas ficam por ali, ou esperando a roupa lavar e secar, ou esperando por uma máquina disponível. Eu gostava de lavar roupa de madrugada, quando o movimento era menor.

Naquela noite eu tinha acabado de colocar a minha roupa na secadora, quando Adriana chegou.

- Oi, você não é o pianista que toca no lobby? Que bonita a maneira que você toca. É música brasileira aquilo não é? Me encanta a música brasileira. É uma vida boa esta vida de músico não é? Eu estou cansada de carregar pratos e de aturar esses gringos malditos, eu queria ser artista, cantora, dançarina, sei lá, tocar um instrumento, ter uma vida fácil como a de vocês.

- E o talento? Você tem algum talento para cantar, dançar ou tocar algum instrumento?

Perguntei, interrompendo o discurso daquela gorda que não parava de falar. Ela respondeu que talento pra cantora não, porque não tinha uma voz bonita nem era afinada, mas que para atriz talvez, que quando ela era pequena, ela queria ser atriz de novela de televisão, que achava lindo as atrizes de telenovela, sempre lindas, sempre maquiadas, com roupas elegantes. Nesse ponto ela fez uma pausa e me pediu desculpas por interromper a minha leitura. Eu disse que não tinha importância, que tudo bem, que ela podia continuar falando que eu estava escutando, mas antes que ela continuasse e aproveitando que ela estava colocando sabão na máquina de lavar, eu perguntei como era o seu nome, o que ela fazia a bordo e porque que ela tinha vindo trabalhar nos navios.

Adriana era chilena, de Punta Arenas, no sul do país. Ela era uma morena clara, baixinha e gorda, da cara redonda, os cabelos lisos, pintados de louro, com traços visivelmente andinos, de olhos pequenos e apertados, como os índios. Eu me apresentei, disse meu nome, que era do Rio de janeiro, e ela, sem olhar diretamente nos meus olhos, depois de colocar a sua roupa para lavar, se recostou na parede e olhando para o chão, deu um suspiro longo e começou:

- Eu tinha quase vinte anos, quando um dia, na cozinha da casa da minha mãe, ajudando a mamãe a lavar os pratos do almoço, eu olhei para os meus sapatos, que estavam furados de tão velhos, e pensei que eu não podia continuar daquela maneira. Aqueles eram os meus únicos sapatos e eu já tinha praticamente vinte anos, não podia seguir pedindo que a minha mãe me comprasse sapatos e roupas novas. Somos uma família pobre entende? Então eu resolvi ir embora do Chile. Escrevi para uma tia minha que morava na Alemanha. A minha tia tinha um pequeno restaurante em Hamburgo e precisava de alguém que a ajudasse no serviço. Ela me mandou a passagem e eu fui. Trabalhei com ela quase cinco anos, morando na casa dela, com seu marido e os meus dois primos. Paguei a passagem aos poucos, com o meu trabalho, que era basicamente, limpar, lavar e cozinhar para eles e para os clientes do restaurante. Trabalhei duro, aprendi a falar alemão, fiz boas amizades. Um dia um casal belga, que eram clientes do restaurante, me convidou para eu ir com eles para Bélgica, cuidar do bebê deles. Como eu já estava cansada daquele trabalho no restaurante, eu fui. Fiquei com os belgas mais ou menos uns dois anos, aprendi um pouco de Francês, e aí então, eu conheci o Arquimedes, um grego bonito, que estava de passeio em Bruxelas. Nos conhecemos num parque e foi amor à primeira vista. Naquele tempo eu não era gorda assim não Seu Jaime, eu era magrinha, bonita. Ele gostou de mim e me levou pra viver com ele na Grécia. Vivemos juntos nove anos. A família dele tinha muito dinheiro, trabalhavam com jóias, mas ele tinha problema com drogas, era viciado em cocaína. No principio eu nem desconfiava, mas depois eu descobri, e isso é a pior desgraça que pode acontecer a uma pessoa. Esse vício acaba com qualquer um. Eu não gostava daquilo e ele começou a ficar violento, passou a me bater, minha vida virou um inferno.

- E você falava grego?

Perguntei para que ela pudesse respirar e eu também, pois a história já estava ficando grande demais. Ela continuou.

- Pois é, tive que aprender, é claro, falo fluentemente, melhor que alemão e francês.

- Quer dizer então que você pode falar com o comandante Antalis em grego?

- Sim, é claro que posso, sempre que passo por ele lhe digo “kalimera capitanea”, que quer dizer, bom dia comandante, mas ele só responde com um sorriso, não dá muita conversa não, quem vai dar conversa pra uma garçonete?

O Comandante Antalis era o Comandante do Serenade e era um cara super popular, que todos adoravam. Quase todas as noites ele vinha escutar a minha música e de vez em quando conversávamos. Ele esteve algumas vezes no Brasil, quando trabalhava em navios de carga e como bom grego, era um mulherengo de primeira e adorava as mulheres brasileiras. Mas voltando a Adriana, que eu já havia percebido que tinha a auto estima baixíssima.

Ela perguntou se não me estava atrapalhando e eu disse que não, que estava interessado na sua história e ela prosseguiu dizendo que quando ela se cansou de apanhar do grego, juntou o pouco dinheiro que tinha guardado, comprou uma passagem para o Chile e fugiu dos mal tratos do companheiro. Depois de quase dezessete anos, ela voltou para a casa dos pais, com uma mão na frente e outra atrás, exatamente como havia saído, deixando na Grécia, o seu marido viciado e truculento, jóias, casa, roupas de grife e toda a vida confortável que ela teve, enquanto morou com ele.

- Quando ele não estava cheirado era uma ótima pessoa, carinhoso, fazia tudo que eu queria, me dava de tudo, jóias, viagens. Mas quando estava sob o efeito da droga, se transformava, deixei tudo para trás e fugi pro Chile. Um dia eu vi um anúncio num jornal, que estavam recrutando gente para trabalhar em navios de cruzeiro. Eu fiz a entrevista para garçonete e aqui estou, trabalhando como uma escrava, engordando como uma porca, porque jurei para mim mesmo, que nunca mais eu iria precisar de homem nenhum, nem de ninguém para me sustentar. Hoje eu ajudo a minha família, já compramos uma casa confortável, já conheci mais de vinte países, e só vou ao Chile de férias, mas estou cansada, sabe Seu Jaime, já tenho quarenta e dois anos, estou cansada.

Eu disse que ela podia me chamar de Jaime apenas, que deixasse o senhor pra lá, pois nós tínhamos quase a mesma idade. Ela se espantou, dizendo que eu parecia ter dez anos a menos. Eu agradeci e disse que a culpa era da música e sugeri que ela tentasse passar para outro departamento, pois ela falava vários idiomas e poderia ser uma embaixadora internacional, ou mesmo, trabalhar como tradutora no seu país. Depois agradeci pela confiança dela ter me contado a sua história, recolhi a minha roupa que já estava seca e fui embora pensando naquilo tudo que eu havia acabado de escutar. Durante o tempo em que trabalhamos no mesmo navio, sempre que a encontrava eu perguntava:

- E aí Adriana, já está providenciando a mudança de departamento?

Ela sorria e dizia, que qualquer dia ia ver isso. E eu nunca soube que fim levou a Adriana. Se ela virou uma embaixadora internacional ou se seguiu sendo garçonete no dinnig room. Embaixador internacional é um cargo importante, com direito a cabine individual e tudo. Para ocupar este cargo, a pessoa tem que falar pelo menos, três idiomas além do inglês, que são o espanhol, o Frances e o alemão. E a Adriana de quebra, ainda falava grego.

sábado, 17 de outubro de 2009

CASA AUTO DOIS IRMÃOS


Numa das minhas recentes visitas a Salvador, passei ocasionalmente pela Rua Carlos Gomes e não pude deixar de me espantar, com aquela portinha onde funcionava a casa auto dois irmãos. Na minha lembrança de infância, aquela porta era enorme, onde funcionava uma grande empresa, que tinha nos fundos um escritório, entulhado de papéis, cadernos, livros caixa, canetas e um cofre grande, de ferro, onde eu imaginava estar guardada ali, uma grande fortuna.

A grande empresa era do meu pai, Seu Ribeiro, um comerciante de talento e um administrador notável, pois daquela portinha ele conseguiu produzir felicidade para muitas pessoas. Meu pai trabalhou de sol a sol, seis dias por semana, fazendo horas extra em casa, e ainda tinha tempo e imaginação para nos contar estórias da carochinha antes dormir. Era a sua hora do recreio por certo, pois muitas vezes ele adormecia antes de chegar ao final da estória, o que me deixava enfurecido. E assim foi, durante anos e anos. É claro que o valor do dinheiro mudou, que os tempos são outros, mas mesmo assim, ainda hoje, é impressionante como aquela portinha pôde abrir tantas outras portas.

Meu pai nos fez feliz quando nos contava estórias antes de ir prá cama. Fez feliz a sua mulher, nossa mãe, dando-lhe seis filhos saudáveis, e a deixando amparada com casa própria, carro e uma pensão descente para os padrões brasileiros. Nos fez feliz ao nos abrir as portas do melhor e mais caro colégio da cidade, onde quase todos nós estudamos até a universidade, e alguns de nós ainda terminamos os estudos em faculdades particulares, igualmente caras, pagas com o suor do trabalho daquele homem, que trabalhou, pelo que eu me lembro, sem férias, durante toda a sua vida. Sua felicidade portanto era o trabalho, pois através dele, ele pode também produzir felicidade para parentes e agregados, que sempre estavam a freqüentar e muitas vezes a morar na nossa casa, desfrutando da nossa comida, das nossas festas, da nossa hospitalidade.

Infelizmente ele não soube se impor como homem, chefe de família e provedor e por isso não teve o reconhecimento e o respeito que merecia. Morreu cedo, quando viu todo o seu esforço ir por água abaixo e ele resolveu desistir e se entregar. Eu, da minha parte, reconhecendo a minha ingratidão a um homem que nunca me disse não, e que a sua maneira, me amou, só posso aplaudir agradecido a sua memória, pela sua paciência, humildade, tenacidade e altruísmo, por ter produzido felicidade pra tanta gente, enquanto ele desfrutou de tão pouco, de tudo aquilo que ele construíu sozinho.

O SUTIÃ DO MARCELO

Marcelinho era o filhinho da mamãe, da vovó e das titias. O primeiro filho daquele casal classe média de Ipanema tinha sido homem, portanto o segundo já viu né? tinha que ser uma menininha, pra fazer par com o Marquinho, o mais velho. Deu Marcelinho gente! em pleno anos oitenta, eles não quiseram fazer o teste pra saber o sexo do bebê, de tão seguros que estavam, que Marcela iria chegar linda e loira. Foi uma decepção é claro, mas mesmo assim Marcelinho foi recebido com carinho e criado desde o berço, com muito amor, eu disse, muito amor mesmo, e como já se sabe, tudo que é demais, sobra. Assim foi crescendo Marcelinho, acostumado em ser o centro das atenções e a ter tudo do bom e do melhor desde pequeno. Tudo que ele via ele queria.
-Mamãe me dê isso, papai me dê aquilo, vovó eu quero aquele dali ó.
E mamãe, papai e vovó, faziam as vontades do Marcelinho sem pestanejar. Marcelo mamou no peito até quase quatro anos de idade, depois dos dois anos o pai começou a ficar incomodado e falava pra mulher:

- Pára de dar o peito pro menino que ele já está crescido mulher.
 A mulher dava de ombros, dizia que o menino gostava e fazia bem para a saúde das mulheres e dos seus filhos, amamentar até tarde, quanto mais leite materno melhor, os meninos ficam mais fortes. O marido argumentava que o mais velho não mamara tanto e no entanto era forte pra caramba. A mulher dizia que queria o caçula ainda mais forte, o dobro.

Até que a mulher engravidou de novo e desta vez veio a Patricinha. Marcelinho já estava com três anos quando a patricinha chegou. Foi um ciúme mortal o que aquele menino sentiu, ao ter que dividir o seu peito com aquela intrusa. Marcelo chorava, gritava, ameaçava bater no bebê e dizia aos berros, para que todo o quarteirão escutasse:
 - NÃÃÃÃÃOOOO! ESSE PEITO É MEU. Pronto, estava instalado o drama. Marcelo que nunca dividira nada com ninguém, nem com o irmão mais velho, agora via a sua mãe dar o seu leite, o leite que lhe pertencia, para aquela menina. A mãe, sem saber mais o que fazer para acalmar o menino, teve a idéia de lhe dar o sutiã que ela usava para enxugar o peito depois da amamentação. A maioria das pessoas usam um lenço ou uma toalha de rosto para enxugar o leite do peito, mas a mãe de Marcelinho usava era um sutiã, sempre o mesmo sutiã, velho e já amarelecido.

–Toma, cheira o sutiã da mamãe que faz o mesmo efeito. Não é que fez mesmo? Marcelinho ficou hipnotizado pelo cheiro de leite impregnado naquele sutiã e desde então não o largou mais, pra todo canto que o Marcelo ia, tinha que levar aquele sutiã com ele, pra escola, pro parque, pro clube, pras festinha de aniversário, lá ia Marcelo e o seu inseparável sutiã. Ele e o sutiã eram uma coisa só, nem do peito da mãe ele queria mais saber. A mãe resolveu um problema e criou outro ainda maior. Marcelinho já com seus dez anos de idade, ia jogar bola com os amiguinhos e levava a sua própria bola, senão ele não jogava, e o seu inseparável sutiã, ainda mais velho e encardido. Marquinho morria de vergonha do irmão e um dia, numa briga que os dois tiveram, coisa de criança, Marco pegou o sutiã do Marcelo e atirou pela janela, três andares abaixo.

- NÃÃÃÃOOOO! MEU SUTIÃ! Berrou Marcelinho a plenos pulmões. O prédio inteiro tremeu, quando a mãe chegou no quarto, apavorada, deu de cara com o Marcelinho pendurado no pescoço do irmão, dizendo que iria matar o pobre do Marquinho. A muito custo ela conseguiu separar os dois, depois, chegou até a janela e viu que o sutiã havia voado e caído no teto do bar da esquina, duas casas adiante. Então a mãe tentou acalmar o filho dizendo que ia trazer o sutiã dele de volta. Em seguida chamou o marido e pediu que ele a companhasse até o bar da esquina, pois o Marco tinha jogado o sutiã do Marcelo no telhado do botequim. O marido achou aquilo uma maluquice, mas teve que ir, pois não agüentava mais o choro histérico do filho, incomodando a vizinhança. Quando chegaram ao bar, o pai procurou o gerente e disse a queima roupa:
 - Moço, o sutiã do meu filho caiu no telhado do seu bar e eu tenho que subir lá pra pegá-lo senão a criança não pára de chorar, sabe como é que é, é um sutiã de estimação.
 O gerente do bar primeiro pensou que fosse gozação de bêbado, mas diante da insistência e da ausência de cheiro de álcool no vizinho, ele deixou que o pai subisse no telhado do bar. O sutiã enfim foi resgatado, não sem danos, pois como estava emaranhado em um monte de fios e na antena externa da televisão do estabelecimento, o pai ao puxar o sutiã, escorregou e este rasgou ao meio. Marcelinho quando viu o seu sutiã partido em dois, berrou o seu célebre “NÃÃÃÃOOOO” e ficou sem falar com o irmão pro resto da sua vida.

Marcelo foi crescendo deprimido, desde que teve o seu sutiã partido em dois. Mal comia, às vezes não queria tomar banho e sequer conversava com a vovó e as titias, que seguiam lhe paparicando. Quando Marcelo fazia aniversário, ele não queria festa, não queria presentes, nada, só queria o seu velho sutiã inteiro de novo, coisa que a mãe tentara mas não conseguira, pois de tão velho e encardido, o tecido havia poído, não costurava mais, pois o sutiã estava dividido em dois para sempre. Quando passou a adolescência e Marcelo começou a se transformar num homenzinho, influenciado por Fabinho, seu amigo inseparável, Marcelinho passou a freqüentar academias de ginástica e a praticar a musculação. Os músculos apareceram rapidamente, Marcelinho se transformou num rapaz malhado, musculoso, com um peitoral de fazer inveja a qualquer nadador profissional, peitoral este, que ele exibia com orgulho em todos os lugares, fosse na praia ou no cinema, onde ele estava sempre usando aquelas camisetas apertadíssimas, que lhe valorizavam o peitoral trabalhado com esmêro.
 O sutiã, bem, os pedaços do seu velho sutiã, continuam guardados até hoje, junto com uma coleção de muitos outros que ele e o Fabio foram comprando ao longo do tempo. Hoje eles moram juntos e tem o seu próprio negócio, uma loja de roupa intíma feminina, num dos melhores shoppings da zona sul deo Rio de janeiro. O nome da loja? “O SUTIÃ DO MARCELO”, é claro.

FEIÚRA AMBULANTE

Desde o primeiro minuto, feiúra ambulante compreendeu que a vida é uma mentira, a começar pelo seu nome, “Artemônio”. Quando a parteira viu aquele recém nascido que ela acabara de trazer ao mundo, berrou:


- É mentira! Isso só pode ser arte do demônio.

A mãe quando olhou a cara do seu bebê, desmaiou e ao voltar a si não teve dúvidas, batizou a criança com aquele nome, Artemônio, um nome inventado, como tantos que existem por aí, especialmente em Salvador da Bahia, terra natal daquela feiúra. Seu pai sumiu no mundo, jurando que aquilo não era filho seu, de jeito nem qualidade.

Artemônio nasceu com dois olhos, duas orelhas, um nariz e uma boca, como qualquer ser humano aparentemente normal, pequenos detalhes no entanto, faziam a diferença. Pra começar, o troço saiu de dentro da mãe, não pela cabeça, como é comum, mas a parteira teve que puxa-lo para fora, pelos pés. Os olhos já estavam bem abertos, vesgos, um quase por dentro do outro de tão vesgos que eram, de forma que nunca olhavam para frente, sempre para o centro. O nariz adunco, curvo, daqueles de bruxa das estórias em quadrinho, apontando para o chão, e acentuando-se em tamanho à medida que o tempo passava. As orelhas eram pontiagudas, dos três lados, pareciam dois triângulos grudados a um crânio maior do que o normal. Um verdadeiro cabeção. Ao nascer, o pequeno Artemônio não chorou, ao contrário, sorria um sorriso esquisito que emitia um som semelhante a um gato no cio, deixando à mostra, na sua boca quase banguela, o dente canino superior direito, já nascido e bem criado.

Com essa cara mal construída, logo que ele começou a fazer as suas primeiras aparições públicas, aos sete anos de idade, ganhou da vizinhança o apelido de feiúra ambulante, que Artemônio carregou com orgulho pelo resto dos seus dias. A cara de feiúra, sua mãe pôde guardar em segredo por sete anos, só os mais íntimos, os da família, tinham acesso aquela deformidade que crescia feliz e contente, como se não fosse com ele o acontecido. O dente canino superior direito foi arrancado umas quatro vezes, mas voltava a crescer de novo, ainda maior, de maneira que depois da quarta tentativa de extirpar a anomalia, sua mãe desistiu do feito e feiúra seguiu pela vida exibindo aquele dentão pontiagudo, que não cabia na boca e se lhe escapava pelo canto dela.

É mentira! Esta era a reação de espanto mais comum que todos tinham ao se deparar com feiúra ambulante. Esta foi a primeira coisa que os seus ouvidos aguçados escutaram e este passou a ser o bordão da sua vida. Como as crianças aprendem por repetição, tudo aquilo que escutam e vêem, assim como os papagaios, Artemônio, passado algum tempo escutando aquela expressão sempre que alguém se deparava com ele, decodificou aquelas palavras como uma saudação, um “olá”, “como vai você”, de forma que sempre que encontrava alguém, antes que a pessoa abrisse a boca, ele mandava um sonoro “é mentira”, ao invés de “bom dia”, “boa noite” ou coisa que o valha. Já adolescente, quando o povo já estava acostumado com aquilo e lhe saudava “oi feiúra, como vai?”, ele respondia contente:

- É mentira!

O segredo mais bem guardado no entanto, só a mãe e a parteira, que morreu de depressão, logo depois de fazer o parto de feiúra, sabiam, além do próprio é claro. Artemônio nasceu com um sexo descomunal, comprido, fino e com duas cabeças, portanto além de ver o mundo aos pares, devido a sua zarolha exagerada, ele também urinava por dois e quando veio a adolescência, aos dez anos de idade e o seu pau mal cabia dentro das calças, ejaculava duplo, pelas duas cabeças, logo, a vida de feiúra era por assim dizer, um gozo duplicado. Com o tempo, veio o vício da masturbação e a este prazer, ele se entregou até conhecer Milsabores.

Maria Del Milsabores, era filha de ciganos chineses, tinha os olhos grandes esverdeados, linda. Os seus peitos e bunda eram enormes, redondos, fartos. Maria gostava de botar tudo o que via na boca. Milsabores não havia passado da fase oral, chupava os dedos da mão e dos pés, lambia tudo que passava diante dos seu olhos, tudo ela queria provar, sentir o sabor e quando conheceu Artimônio, foi paixão à primeira vista.

Quando ele botou os seus olhos trocados em cima dela e viu quatro peitos deliciosos dando sopa, logo gritou:

- É mentira!

Ela enxergou de cara aquele volume imenso por dentro das calças largas que ele usava e nem percebeu a cara feia que ele tinha. Então caíu de boca na cobra de duas cabeças de feiúra ambulante e ele nos peitos maravilhosos dela. E os dois seguiram pela vida afora jorrando juntos o leite de sua cobra e peitos, numa prova inequívoca de que o amor é uma mentira, pois quem ama o feio, bonito só lhe parece se este tiver muito dinheiro, e este não era o caso do personagem em questão, além do mais, não existe pênis com duas cabeças nem ninguém tão horripilante como o sujeito acima descrito, tampouco ciganos chineses, de olhos grandes, esverdeados. Portanto faça como Artemônio, se alguém lhe disser algum dia que te ama, olhe bem nos olhos da criatura e responda:

- É mentira!

A DUPLA CERTINHA


Um gostava de laranja e o outro de verde limão, até aí tudo bem, pois o que seria do pêssego se todos gostassem da maçã? Acontece que quando chegava o carnaval, um queria cair no samba e o outro ver pela televisão, nada demais até então, liberdade de direitos acima de tudo, afinal eles eram a dupla certinha, feitos um para o outro, pois tinham a mesma altura, a mesma pele morena, um pouco mais clara que a do outro, mais ainda assim morena e os narizes, de tão parecidos que eram, pareciam saídos da mesma fornalha. Os nomes tinham a mesma inicial, que rimava o de um com o do outro e até o sobrenome era igual. Incrível esta dupla certinha que de certo nada tinha afinal. Um guardava datas com precisão, não lhe escapava um aniversário, fosse de amigo, parente ou irmão, nascimento, morte, atropelo e inauguração, ele sabia de cor, dia, mês e ano e não tinha discussão. O outro ao contrário, se esquecia de tudo que fosse festejado, geralmente à dois, ou em família. Natal, ano novo, dia santo e feriado, dia dos namorados, tudo isso ele fazia questão de dizer que não via. Um falava pelos cotovelos, parecia que tinha engolido um rádio e cheirado carreiras noites inteiras. O outro guardava tudo calado e escutava com aparente paciência os monólogos da outra parte da dupla, que não perdia nenhum detalhe da sua dissertação, cheia de imaginação e força. Um se prendia a detalhes, enquanto o outro voava no abstrato. Um sonhava alto e o outro comprava pano barato, pra economizar nas contas, se equilibrar pro futuro, pois enquanto um planejava tudo, o outro dava saltos no escuro. Um comia carne vermelha, fritura e sementes de tomate. O outro tomava mel de abelhas, vitamina de banana com aveia e chocolate. Um adorava futebol, decorava as tabela dos campeonatos, sabia todos os resultados, não perdia os gols da rodada por nada deste mundo e era tricolor roxo. O outro era rubro negro. Um gostava dos dias ensolarados, desde que ele estivesse na sombra, com bloqueador trinta, grama e cadeira. O outro queria o sol fervendo na cara, a beira do mar, cerveja e areia. Um só tomava banho frio, dizia que fazia bem a pele e a circulação, coisa que aprendera com o avô materno, ainda criança e nunca mais esquecera, nem deixara de tomar o seu banho gelado diariamente. O outro ficava horas debaixo do chuveiro quente, dizia que o vapor quente relaxava, e assim ficava, se esquecendo do tempo. Um adorava viajar, comprar passagem e voar, especular o novo, o infinito. O outro acendia um baseado. Um era um samba light, guaraná com bossa nova. O outro rock and roll, som alto na caixa e cachaça com coca cola. Um vivia ligado e o outro nem dava bola. Um era um aquário cheio de peixes e o outro era mais um peixe dentro daquele aquário. Mas um pensava no outro todos os dias e o outro também. “Um amor que existia e que só podia ser explicado, se acreditarmos na possibilidade da alma e do espírito”, como um escreveu para o outro um certo dia. Um amor que nunca se encontrava, pois se um chorava, o outro sorria, se um caminhava, o outro corria, quando um se alongava o outro se encolhia, enquanto um despertava, o outro adormecia e sonhava os seus sonhos, separados um do outro, pois mesmo quando dormiam juntos, sonhavam sonhos separados. E assim sucessivamente, dia após dia, os dois seguiam se amando, estivessem aonde estivessem, cada qual no outro lado da sua própria linha, pois afinal eles eram a dupla certinha.

O PAU DE CARRARA

PAU

PAULEIRA

PORRADA

TEM O PAU DE SÊBO

E O PAU DE ARARA

TEM ATÉ MESMO

O PAU DE CARRARA.

MARMÓREO

BRANCO

QUASE ROSADO

LONGO

PERFEITO

SEM CIRCUNCISÃO

BICO OU DEFEITO

QUANDO EM REPOUSO

QUASE INANIMADO

AINDA ASSIM MANTEM

SUA BELEZA RARA

PAU

PAULEIRA

PORRADA

TEM O PAU DE SÊBO

E O PAU DE ARARA

MAS BONITO MESMO

SÓ O PAU DE CARRARA.

VIA SEDEX

Pedro e Bruno se conheceram num final de tarde, dentro do banheiro de um cinema pornô, no centro do Rio de janeiro. Cinemas como aquele são comuns nas grandes cidades, seus freqüentadores são pessoas de todas as clases sociais, homens de negócio, estudantes, garotos de programa, travestis, uns poucos casais de namorados, homossexuais convictos, outros nem tanto, todos entretanto com um único objetivo em comum, sexo. O que está sendo exibido na tela, muitas vezes é o que menos importa, já que a diversão maior acontece mesmo é na platéia, ou nos banheiros.
Bruno era casado, pai de quatro filhos, empresário bem sucedido, um tipo atraente sem ser bonito, branco, seus metro e setenta de altura, magro, beirando os quarenta e entrou naquela sala de projeção atraído pelo anúncio de “DOIS FILMES PORNÔS TODOS OS DIAS”. Bruno ficou curioso, tivera um dia tenso e queria relaxar, conhecer algo novo, diferente, não estava necessáriamente em busca de aventura, mas instigado pela curiosidade masculina, resolveu entrar e logo percebeu que a imensa maioria das pessoas ali presentes eram do sexo masculino também. Uma vez lá dentro, Bruno se dirigiu ao banheiro, estava nervoso e queria mijar, sentia uma sensação adolescente, que há muito não sentia, pois estava transgredindo a ordem da pacata e previsível vida que levava, da casa para o trabalho, do trabalho para casa, as vezes uma pizzaria com a mulher e os filhos, futebol no final de semana com os amigos, ver o Fluminense jogar no maracanã de vez em quando, e uma ou duas vezes por semana, fazer amor com a patroa, com quem era casado há mais de quinze anos.
Assim que entrou naquele banheiro mal iluminado, Bruno percebeu uma movimentação estranha, lenta, esfumaçada. Vários homens em atitude suspeita, tensa, desconfiada, se revezavam nos mictórios e nos dois únicos reservados do lugar. Bruno esperou que um dos reservados desocupasse e quando dois rapazes saíram lá de dentro, ele entrou e mijou. Quando terminou e deixou o reservado, deu de cara com Pedro, um moço que aparentava seus trinta anos, moreno, corpo atlético, um pouco mais baixo que ele, e que estava plantado na porta entreaberta do reservado, observando Bruno se aliviar. Os dois se encararam rapidamente e Pedro entrou, deixando a porta também entreaberta. Bruno não conseguiu sair daquele banheiro de imediato, estava preso por uma estranha excitação que nunca sentira antes e ficou ali, em pé, diante da porta entreaberta aonde podia ver o corpo de Pedro na penumbra, olhando para ele, com o pau pra fora, como se estivesse mijando. Bruno começou a suar frio, tremia da cabeça aos pés, tinha a boca seca, seu o coração batia num ritmo acelerado. Foi quando percebeu que Pedro estava excitado, o pau duro, e fazia sinal com a cabeça para que Bruno entrasse naquele pequeno quartinho.
Sem racionar, sem saber porque, num ímpeto, Bruno entrou e assim que estava lá dentro Pedro fechou a porta e a trancou por dentro, em seguida, abriu a braguilha da calça de Bruno, que já estava excitado, e tirou o pau dele pra fora, começando a masturba-lo lenta e suavemente, depois se abaixou e engoliu aquele pau branco, rosado, marmóreo, com boca gulosa. Bruno se esqueceu do mundo por uns segundos, estava tonto, deliciado, nunca ninguém o havia chupado daquele jeito. Quando já estava quase gozando, Pedro se levantou e segurou o pau de Bruno com força, impedindo que o gozo saísse, depois tentou beija-lo na boca. Bruno afastou o rosto. Pedro então colou Bruno contra a porta e sussurrou dentro do seu ouvido:
- Meu nome é Pedro, gostei de você, vamos sair daqui, eu moro aqui perto, moro sozinho e vou fazer você gozar como você nunca gozou na vida.
Bruno estava cego de tesão, um tesão animal, tinha vontade de gritar, de bater naquele cara que o imprensava contra a porta do reservado escuro. Ele sentia o corpo de Pedro colado ao seu, quente, transpirando, o pau do outro latejando nas suas pernas, por sobre as calças frouxas, a respiração do outro ofegante no seu pescoço. Ele disse não com a cabeça, a voz lhe faltava, mas Pedro o apertou ainda mais forte contra a porta, com uma mão segurava firme o seu pau enquanto que com a outra pegou a mão de Bruno e levou até ao pau dele. Bruno não resistiu e sentiu o pau macio e rijo de Pedro latejando em sua mão. Todo homem é um heterossexual convicto até o dia em que ele pega no pau de outro homem.
Pedro era um jornalista desempregado, que vivia de pequenos bicos em agencias de publicidade sem expressão ou escrevendo artigos para jornais independentes. Ele Morava sozinho num apartamento conjugado, alugado num prédio antigo, em um bairro próximo ao centro da cidade. Os dois saíram do cinema para o apartamento de Pedro que cumprira o que prometera, fizera Bruno gozar como nunca havia gozado antes. De todas as formas de amar eles se amaram e os encontros foram se repetindo sucessivamante, sempre no apartamento de Pedro, pois era mais seguro para Bruno, longe do bairro em que ele morava e também longe da sua empresa. A única condição que Bruno impusera ao seu amante é que ele nunca daria ao Pedro, nem telefone, nem endereço, pois queria manter o seu casamento e a sua família a salvo daquela loucura. Apenas o Bruno procurava o Pedro, apenas o Bruno ligava para o Pedro, e aparecia quando queria e podia. Pedro aceitou o jogo, pois Bruno o ajudava nas despesas da casa, pagava as contas, fazia o mercado, enchia Pedro de presentes e Pedro, foi se acostumando àquelas comodidades que o seu amante lhe proporcionava.
Tudo na vida é secreto, mas até o segredo mais fundo, mais cedo ou mais tarde sempre é descoberto. Bruno estava totalmente transtornado com a nova vida, relaxou nas precauções, excedeu horários, que passaram a ser cada vez mais confusos. Sua mulher acostumada à boa vida que o marido lhe dava, passou a ficar desconfiada. Por várias vezes não encontrava o marido no escritório em horário de expediente, ele chegava sempre muito tarde. Era uma amante, ela não tinha dúvidas. Encostou o marido na parede. Ele negou, mas as suas desculpas não convenciam. Ele não procurava mais a mulher e ela agora já estava convicta de que o marido tinha outra. Silenciosamente passou a seguir os passos do marido por conta própria, tinha tempo de sobra para isso. Ela não queria perder o status que aquele casamento lhe dava para outra e apertou a vigilância, controlando horários, as ligações telefônica, checando a memória do celular do marido religiosamente. Nada. Nenhuma pista concreta para aquela mudança radical no comportamento do esposo. Passou então a seguir os passos dele ainda mais de perto. Ele saía, ela dava um tempo, pegava o carro e saía atrás. Ela dava horas de plantão na esquina da rua da empresa da família, esperando que ele saísse e o seguia, sem que ele percebesse que estava sendo seguido.
Finalmente ela chegou ao endereço que ele repetia todos os dias sem falta, inclusive aos sábados quando ele dizia que ia jogar futebol com os amigos, inclusive aos domingos, quando ele dizia que ia ao maracanã ver o Fluminense jogar e era dia de Flamengo e Vasco. Todos os dias ele ia ao mesmo endereço, um prédio antigo, num bairro próximo ao centro da cidade.
De repente Bruno sumiu. Não ligava mais, não aparecia mais e como Pedro não tinha nem telefone nem endereço do amante, ficou a ver navios. Passaram três, quatros dias e nada, Bruno sumira sem deixar rastro. Não tinha havido nehuma briga, nenhum desentendimento, nada, tudo estava indo normalmente bem, sem conflito e sempre com muito prazer para os dois. Pedro estava pirado, procurava e não encontrava uma razão lógica para o sumiço do seu amante.
Passado uma semana do desaparecimento de Bruno, Pedro chega à portaria do prédio onde morava e o porteiro lhe entrega uma caixa do sedex endereçada a ele, Pedro de tal. No remetente, um nome que ele desconhecia, Maria de tal. Pedro recebe a caixa e sobe até o seu apartamento, curioso por saber o que ela continha. Ao chegar em casa Pedro começa a abrir a caixa cuidadosamente e logo sente um cheiro forte de formol. Dentro da caixa um vidro de maionese envolvido num papel branco e colado ao vidro, um bilhete escrito com letra bem desenhada, provavelmente de mulher, que dizia: “ELE LHE DEU PRAZER E ME DEU QUATRO FILHOS LINDOS. AGORA ELE NÃO TEM MAIS SERVENTIA NEM PARA VOCÊ NEM PARA MIM”. O coração de Pedro gelou. Aos poucos ele foi descolando o papel grudado ao vidro de maionese e descobrindo o seu escabroso conteúdo. Era o pau de Bruno, cortado com saco e tudo, embebido em formol e enviado para Pedro, num vidro de maionese, via sedex, provavelmente pela viúva do seu ex-amante.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

QUANDO TUDO PARECIA PERFEITO...

Tudo parecia perfeito, Adão, Eva, o amor dos dois, o paraíso, e no meio deles, o tédio, a solidão. Eva, mais impaciente, mais entediada e mais curiosa que Adão, um dia se encontrou com a serpente e esta lhe ofereceu a maçã, que ela comeu sem oferecer resistência e por causa deste pequeno deslize feminino, foram os dois expulsos do paraíso. Tiveram então que recomeçar a vida em outras paragens, onde não houvesse nem serpentes, nem maçãs e a entediada Eva pudesse viver livre de outras tentações. Vieram os filhos, Caim e Abel. Abel, por ser o caçula era mais mimado e mais querido que o seu irmão Caim, este então, morto de ciúmes por se sentir rejeitado e por suspeitar ser filho de outra serpente que não a serpente de Adão, seu pai, matou Abel com uma pedrada na cabeça, pensando que assim se livraria do ciúme e da inveja que sentia do próprio irmão e também, porque pensava que herdaria tudo sozinho, quando seus pais partissem daquela para melhor.
Tudo parecia perfeito, até que Eva comeu da maçã, foi expulsa do paraíso com o seu Adão e pariu Caim e Abel, que foi morto pela inveja do primeiro e provavelmente, por causa disso tudo, muito mais tarde, Joel deixou Teresa para viver com Antonieta, que depois o envenenou para se casar com Honório, por ser este um rapaz rico e poderoso mas que gostava de Gustavo, que era casado com Margarida, que amava Joana, irmã de Maria Clara, que de clara não tinha nada, pois era uma preta alta e forte, que costumava dar pra todo mundo na beira do cais, onde aportam os barcos, que vêm e vão, trazendo e levando estórias, cantos e desencantos de amor, como a do amor de Adão pela sua Eva, que foi tentada pela serpente e sem resistir comeu da maçã e que depois pariu o invejoso Caim, que matou o seu irmão Abel, com uma pedrada na cabeça, pensando em herdar tudo sozinho, quando tudo parecia perfeito.

A SUBSTÂNCIA LOUCA

UMA SUBSTÂNCIA LOUCA
ENTROU PELA MINHA BOCA
E FOI ATÉ O CORAÇÃO
E ME DEIXOU TONTINHO
QUASE ROXO
AZUL MARINHO
UM VERDE PÁLIDO FUGAZ
A SUBSTÂNCIA LOUCA
É A LOUCURA POUCA
QUE ME DEIXA EM PAZ
ME SOBE UM FRIO NAS COXA
ME APARECE UMA MANCHA ROXA
FICO RUBRO AO PENSAR
NA SUBSTÂNCIA LOUCA
ESSA LOUCURA POUCA
DO MEU CORAÇÃO
SÃO DÚZIAS DE CAMÉLIAS
LÍRIOS
DÁLIAS
VIOLETAS
ROSA CHOQUE E LILÁS
E ENTRE O MEL E A SOPA
ENTRE O BOTÃO E A ROUPA
ENTRE O QUE NÃO FICOU PRÁ TRÁS
ENTRE O QUE ESTÁ NA FRENTE
ENTRE O BICHO E A GENTE
NUNCA PARE DE ENTRAR

A SUBSTÂNCIA LOUCA IÁIÁ
A SUBSTÂNCIA LOUCA IÁ
QUERO NUM BALAIO GRANDE
UM MONTE DELA

Letra e música de Ricco duarte, gravada e regravada nos cds, "Tudo é Música", "O menino buliçoso" e "Bossanova blue"


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

TUDO COMEÇOU NUMA LONGÍNGUA QUARTA FEIRA DE CINZAS...

Tudo começou numa longíngua quarta feira de cinzas, em Salvador, na Bahia, de todos os sons, na rua dos artistas, uma simplória rua no bairo do Garcia, de todos os sambas, bairro de Riachão, Pepeu Gomes e da escola de samba baiana mais famosa dos tempos pré axé, a Juventude do Garcia, que certamente naquela quarta feira deveria estar comemorando mais um campeonato. Foi naquele dia, um seis de março de mil novecentos e antigamente, que eu cheguei ao mundo, pelas mãos de dona Leonor, uma parteira conhecida da familia que trouxe ao mundo cinco dos seis filhos que seu Eduardo e dona Nalva botaram no mundo. Nessa rua de chão batido, cresci escutando os primeiros sons, que vivem na minha alma até hoje, como o som dos atabaques do terreiro de candomblé, que ficava nos fundos da nossa casa e o som dos Lps da Dalva de Oliveira e da Angela Maria, que não saíam da vitrola, uma peça gigante e respeitadíssima naquela casa, que ficava num canto da sala de jantar, imponente, e que por ali, por aquela vitrola, passearam também, "o casamento da dona baratinha", "festa no céu", "o gato de botas" e outras estórias infantis que o meu pai comprava em forma de disco, para colorir a nossa infância, embora ele mesmo fosse um exímio contador de estórias da carochinha, coisa que ele sabia fazer como ningúem. O som dos atabaques, as vozes mágicas de Dalva e Angela e as estórias que o meu pai contava, foram as substâncias, loucas, que nortearam a minha vida.
Quando eu não estava escutando música ou estórias da carochinha, estava lendo, ou imaginando as minhas próprias estórias, que eu recusava em colocar no papel, pois eram impróprias para menores. Jogar bola com os outros garotos, colocar os pés no chão batido, nem pensar. Fui uma criança velha para uns e maricas para muitos. Preferi simplesmente não ser criança. Era chato falar fino, usar calças curtas e não ter autonomia, voz de comando, então resolvi ser artista quando crescesse.
Não sei se por ter nascido num rua com um nome como esse, "dos artistas", que desde pequeno decidi que seria um deles. Bom, encurtando a longa história de lá até aqui, me tornei um artista da vida. Aprendi a tocar violão com meu irmão Lula, que me mostrou as primeiras dissonantes, o samba e a música de João Gilberto, substâncias decisivas para que eu fosse a luta. Primeiro nos festivais colegiais, depois nos universitários, quando eu estudava comunicação. Depois de formado em jornalismo, vim para o Rio de janeiro. Fazer jornalismo? não, fazer música! Toquei em quase todos os bares e botecos da cidade, do Leme ao Pontal, "tomei centenas de chás de cadeira" na porta das gravadoras, com as minhas demos, gravadas em fita cassete nas mãos, e por fim, gravei dois cds independentes e tive algumas canções gravadas por outros artistas de menor expressão. Uma dureza, as contas vencendo e eu me virando nos bares da vida. Depois, cansado de me virar para pagar as contas, fui viajar pelo mundo com a minha música, violão debaixo do braço, navegando pelos sete mares do planeta, tabalhando nos navios de luxo de uma companhia de cruzeiro, tocando bossa nova e o que mais se parecesse com bossa, ou tivesse bossa.
Passados tantos anos, ainda não virei um artista daqueles que eu sonhava quando era criança, daqueles que aparece na televisão e que não pode sair na rua a não ser acompanhado de seguranças e que tais e que moram em mansões na Joatinga ou nos condominios de luxo da Barra. Mas nesses anos todos, em que eu paguei as minhas contas sempre em dia, eu me diverti pra caramba, com a minha música. Rodei o mundo, tomei porres homéricos, gargalhei e chorei a beça, amei e fui amado, vivi "zilhões" de estórias, contei e cantei outras. Escrever histórias foi uma substância que renasceu em mim, justo quando fui navegar pelo mundo, trabalhando em navios de cruzeiro. Quando me dei conta havia escrito dois romances e um sem número de contos, cronicas e poesias, que pretendo ir por enquanto, publicando por aqui, neste blog, enquanto as editoras não se animam a publicar os originais dessas "estórias", algumas impróprias para menores, inspiradas naquelas que eu imaginava quando usava calças curtas e que ainda vivem cantando na minha alma até hoje. Divirtam-se e se beber, chamem um taxi.