segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A COR DA PAZ

 DE FRANCO CAVA E RICCO DUARTE

TÁ NA PENA DO PATO
TÁ NA PALMA DO PRETO
TÁ NA DUNA DE AREIA
TÁ NO AVENTAL DA FEIRA

BRANCA FARDA DE MARINHEIRO
SAL, AÇUCAR
BRANCO DE TERREIRO
SEXTA FEIRA
CLARÃO DA LUA
ABA DE CHAPÉU DE FREIRA
OXALÁ
ABADÁ
GAIVOTA E VELA NO MAR
A COR DA PAZ
BRANCA ROSA PRA IEMANJÁ

TÁ NA PENA DO PATO
TÁ NA PALMA DO PRETO
TÁ NA DUNA DA AREIA
TÁ NO AVENTAL DA FEIRA

BRANCA ESPUMA
NA BEIRA DA PRAIA
VÉU DE NOIVA
RENDA DE SAIA
ACAÇÁ, CUSCUZ E COCADA
O SORRISO DA MULATA
REVEILLON
PÉROLA
GAIVOTA E VELA NO MAR
A COR DA PAZ
BRANCA ROSA PRÁ IEMANJÁ

UMA SEMANA DE PAZ PARA TODOS.

domingo, 29 de novembro de 2009

BISCOITOS GLOBO

      

         Quase trinta anos morando no Rio e eu não sabia ainda, exatamente porque, os biscoitos Globo, dividiam, com o Pão de açúcar, o Corcovado, a praia de Copacabana e até com a garota de Ipanema, a honra de ser um dos marcos da cidade maravilhosa. Nove entre dez cariocas preferem os biscoitos Globo, na praia, no cinema, e principalmente nos estádios de futebol. Aí, finalmente acabou a minha dúvida. A sete rodadas do final do campeonato brasileiro, o meu Fluminense já estava virtualmente rebaixado para a segunda divisão. Aí eu tive um sonho, no qual o Fluminense ganharia do Atlético mineiro por dois a zero, com gols do nosso maestro Dario Conca.
          Aí eu acordei animado, e não sei porque, decidi ir ao Maracanã (com maiúscula por favor, pois trata-se do templo do futebol). Ao chegar ao “maraca” me deparei com uma torcida atleticana que nos deixava em minoria. Mas eu estava otimista que só, e comentei com um anônimo colega tricolor: ”logo hoje que eles resolveram vir ao estádio vamos ganhar de dois a zero”. Ganhamos de dois a um, mas antes do jogo começar, eu que não tinha comido nada antes de sair de casa, passei em um dos bares do maraca e sem saber porque, pedi um pacote de biscoito Globo, só para experimentar.
          Fui ao paraíso das onze mil virgens e voltei. O biscoito nada mais é que biscoito de polvilho, mas com fome, até pedra é banquete. No intervalo do primeiro para o segundo tempo repeti a dose. E o Fluminense ganhou a partida, o segundo gol marcado pelo Conca, e começou ali, a sua incrível reação no brasileirão. Como eu sou baiano e consequentemente superticioso, não necessáriamente nessa ordem, adotei o hábito de antes de qualquer partida do meu Fluzão, comer pelo menos um pacotinho de biscoito Globo.
          A mandinga tem dado certo, pois hoje saímos da zona de rebaixamento, após 27 rodadas entre os quatro últimos, ganhando os seis últimos jogos, dos sete que nos faltava, alguns inacreditáveis como o jogo contra o Cruzeiro, lá em Belo horizonte, e tudo isso, atribuído por esse escriba que vos escreve, maluco pelo Fluminense, à magia dos deliciosos biscoitos Globo, que agora não só considero um marco da cidade maravilhosa, como também considero os tais biscoitos, tricoloríssimos de coração. E com a vitória de hoje, por quatro a zero sobre o “derrota da Bahia”, seguimos para a frente, comendo biscoitos Globo antes do próximo jogo, para nos sacramentar para sempre na primeiríssima divisão do maior e melhor futebol do mundo.

"FRATELLI DI RESPIRO"

          

          Neste ano da graça de 2009, os meus amigos desandaram a lançar os seus escritos. Em um país que tem a fama de pouca leitura, se aventurar pelo mundo literário é de uma coragem sem tamanho. No entanto não foi isso exatamente que eu vi na última bienal do livro no Rio de janeiro, realizada no mes de setembro no Rio Centro. O que eu vi por lá foi uma multidão se acotovelando pelos pavilhões, uma multidão ávida por novidades de todas as áreas literárias, da infantil a científica. Naquele 19 de setembro, eu destaco o lançamento do meu amigo, ator, poeta, escritor e jornalista, Vinícius Faustini, que lançava o seu primeiro livro de contos, "Diário de um salafrário"( Editora Litteris ), onde ele reúne brilhantemente, trinta contos da melhor qualidade, alguns no melhor estilo Nelson Rodrigueano, sempre surpreendendo o leitor com um estilo sensual e cinematográfico. Os contos do Vinícius se parecem a cenas de filmes, fazendo com que o leitor se sinta diante de uma tela de cinema ou televisão, viajando com as imagens por ele descritas, com riqueza de detalhes, cheio de personagens curiosos. Quem quiser conhecer mais, compre e leia o livro e acesse o blog do mesmo nome, onde o Faustini segue publicando os seus escritos irreverentes.
            Em Outubro foi a vez do jornalista, poeta, escritor, letrista e produtor, Euclides Amaral, lançar "O guitarrista Victor Biglione e a MPB" (Edições baleia azul). O livro é uma biografia do músico argentino Victor Biglione, o músico estrangeiro com a maior contribuição em gravações e shows na música popular brasileira. O meu amigo Amaral, que no ano passado lançou "Alguns aspectos da MPB", segue com o seu estilo vigoroso e poético de escrever, que deixa o leitor quase sem folêgo, sequer para tomar um golinho d'água, nos prendendo da primeira a última página. O lançamento foi na Livraria Bolivar, que se tornou pequena para o grande número de fãs do Euclides e do Victor.
            Novembro nos brindou com o delicioso "Forte, macchiato, carioca", do meu parceiro e queridissimo amigo Franco Cava. Franco que é ítalo brasileiro, nascido no Rio de janeiro, filho de imigrantes italianos, foi nos anos noventa, o meu parceiro mais constante. Com ele produzi dezenas de canções, algumas gravadas por mim, outras por ele e uma por uma banda de axé na Bahia, por que ninguém é de ferro. "Forte, macchiato, carioca", uma referência a tres tipos de café, é um livro de poesias e letras de música, escrito no Rio, Curitiba e em Milão. Dividido em tres partes, o Forte, é dedicado a Curitiba e traz poesias apaixonantes e apaixonadas. O Macchiato é todo escrito em italiano e é dedicado  a Milão, onde Franco passeia por uma Italia dramática, como sempre bela e plena de paixão. Carioca é dedicado ao Rio e reúne as letras de música, a maioria sambas, alguns que fizemos juntos, no melhor estilo ítalo/baiano/carioca. O lançamento foi no Istituto Italiano de cultura, com direito a um pocket show do autor. Na orelha do livro, Lorenzo Jovanotti, artista italiano e produtor de dois cds do Franco, gravados na Italia, escreveu:  "Franco tem um irmão gêmeo e alguns outros irmãos nascidos de outras mães e de outros pais, irmãos de respiração como eu, que sou seu irmão". Faço minhas, as palavras do Jovanotti, pois me considero irmão de "respiro" dos meus tres amigos, somos "fratelli di respiro", apaixonados pela arte de escrever.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

HOPEN HAGEN

         Eu já perdi a conta de quantos dias de calor intenso estamos vivendo na cidade do Rio de janeiro, tres, quatro semanas? Não sei, o que eu sei é que em 27 anos que eu vivo nesta cidade, nunca vi nada igual. Um calor abafado, sufocante, que nos faz deixar o bom humor carioca de lado, dormir mal e gastar uma pequena fortuna com ar condicionado e ventiladores ligados, 24 horas por dia. Quando eu cheguei ao Rio, no início dos anos oitenta, tinhamos ainda as quatro estações bem definidas, um friozinho gostoso no inferno, uma primavera colorida, um verão quente, mas nem tanto, com direito a pancadas de chuva tropical no final da tarde e um outono de tirar o folêgo de tão lindo. Isso foi apenas, a pouco menos de trinta anos. Nos últimos anos, a cada ano que passa, a cidade esquenta mais e mais, e mais cedo. Estamos ainda na metade da primavera e já estamos torrando. É  óbvio que esta mudança está diretamente ligada ao aquecimento global, ao desmatamento, a emissão de gases toxicos na atmosfera, ao desvio do curso dos rios, que tem alterado drasticamente a temperatura do planeta, causando catástrofes e mais catástrofes.
          É claro que não podemos ficar de braços cruzados e nos deixar torrar no forno que está virando o planeta Terra, nossa casa, nossa mãe. Faltam pouco mais de nove dias para que líderes mundiais, reunidos em Copenhagem, Dinamarca, decidam o futuro do planeta. No blog do meu amigo musico e ambientalista, Paulo Rocha, pre candidato a deputado estadual em 2010, pelo Partido verde, há um link onde voce pode se fazer ser ouvido, assinando uma petição e deixando a sua mensagem de esperança para o futuro da nossa casa, o nosso planeta. É o "HOPEN HAGEN". Acesse, assine, deixe uma mensagem, não vai levar mais do que trinta segundos. Se não gritarmos agora pode ser tarde demais.
          No mais, aplausos para a China, o maior poluidor do mundo, cujo governo já anunciou que vai reduzir em até 40 por cento a emissão de gases na atmosfera, dando o exemplo e uma rasteira nos Estados Unidos, que se compromete em reduzir em apenas 17 por cento. De quebra, o presidente chinês comparecerá em carne e osso ao encontro de Copenhagem. Que outros chefes de estado sigam o exemplo, comparecendo e colaborando para um futuro melhor aqui na Terra. Tenham todos um belíssimo, e mais fresquinho, final de semana.
        

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A HORA É ESSA E AGORA


As fotos são do grande Amadeo Bocatios.


Com a benção do mestre Bôscoli ao fundo.



                                            Thaís Motta, Thaís Fraga, Ricco Duarte e Chamon.          

          Na semana passada, numa sexta feira treze de novembro, eu tive a alegria de participar do evento comemorativo aos 50 anos do show de bossa nova da Escola Naval, que lançou na época, entre outros, uma das grandes intérpretes da bossa, a Nara leão, que fez na oportunidade a sua primeiríssima aparição pública como cantora. Eu entrei nesse show meio que por acaso, pois estava passando pela porta da Toca do Vinícius, em Ipanema, e ao ver anunciado o “ensaio geral do show da escola naval”, entrei para perguntar quem eram os artistas que estariam participando do evento. Fui recebido pelo dono da Toca, o Carlos Alberto Afonso, batalhador incansável pela preservação da memória da bossa nova, uma figura ímpar. A Toca do Vinícius funciona na Rua Vinícius de Moraes, e lá podemos encontrar absolutamente tudo a respeito desse movimento que levou a música popular brasileira para os quatro cantos do mundo, CDs, livros, etc. Nos apresentamos, e o Carlos Alberto ao saber que eu era cantor, me perguntou se eu sabia o telefone da Thaís Motta, eu disse que sim e que ela é, na minha opinião, a maior cantora do Brasil no momento, e depois de umas duas horas de bom papo, onde o Carlos me explicou o que vinha a ser o tal ensaio geral, fui embora na missão de conseguir o telefone da Thaís, coisa que o fiz meia hora depois, assim que cheguei em casa e consultei a minha agenda.
          Dois dias depois, recebo um email do Carlos me comunicando que eu cantaria tais e tais músicas. Eu fiquei surpreso e liguei para o Carlos para esclarecer a história. Ele então me pediu que eu fosse até a Toca para conversarmos e que não tomaria mais do que 40 minutos do meu tempo. Foram mais de três horas de excelente papo, onde entre outras pérolas do Carlos, escutei que o João Gilberto, meu maior ídolo e conterrâneo, tinha sido o arquiteto da bossa nova, que é segundo o Carlos, nada mais nada menos, a música do músico, ou seja, a maneira como o músico sente a música, o samba, e o interpreta. Estávamos ali afinados na mesma opinião. Então resolví aceitar ao convite para participar do show, interpretando quatro canções.
          O ensaio geral aconteceu no teatro do Colégio Notre Dame em Ipanema, num domingo, e cinco dias depois, numa sexta feira treze, exatamente como a cinqüenta anos atrás, nos apresentamos no teatro da escola naval, interpretando a nossa maneira, o mesmo repertório que na época foi defendido por estrelas do porte de Silvia Telles, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Normando Santos, Lucio Alves e que foi cinceroneado por um dos maiores compositores da bossa, o Ronaldo Bôscoli. Além de mim, participaram, a maior de todas, a rainha, como eu a chamo carinhosamente, Thaís Motta, o grande cantor Chamon e a Thaís Fraga, que foram acompanhados pelos excelentes Rubinho (bateria), Paulo Midosi, (teclado) e Haroldo Cazes (baixo), músicos de primeira, que durante anos acompanharam o Durval Ferreira, grande compositor da bossa nova, já falecido. Eu cantei, me acompanhando ao violão, como sempre faço, "Agora é cinza", do Bide e Marçal, "Por causa de você", da Dolores e do tom, "Esse teu olhar", do Tom, e "A noite do meu bem", obra prima da Dolores Duran.
          Na primeira fila estavam nada mais nada menos que o mestre Roberto Menescal, que eu evitei encarar para não me desconcentrar, a doce e maravilhosa cantora Claudia Telles, filha da Silvinha Telles e o Normando Santos, que hoje mora em Paris. Nunca uma primeira fila foi tão de primeira. O Carlos Afonso foi um mestre de cerimônia impecável, nos deliciando com as suas histórias longas e divertidas. Na produção, a Sonia Rocha e o Bruno Martins, da Carvana produções, fizeram um trabalho maravilhoso. Na platéia, além de centenas de aspirantes da Escola Naval, estavam personalidades do mundo da música, filhos e parentes dos artistas que participaram do show original, como o Bernardo Bôscoli, filho do Ronaldo, o grande músico, maestro e arranjador, Marvio Ciribeli, primo do Lucio Alves, e também o grande escritor e jornalista Ruy Castro, autor do Chega de saudade, o melhor livro já publicado sobre a bossa nova, e que nos brindou com algumas palavras.
          O grande destaque da longa noite, foi a ovação recebida pela Thais Motta, não só durante a sua apresentação, como também quando foi chamada para receber a condecoração que todos nós recebemos depois do show. Os aspirantes ficaram literalmente loucos com a Thaís, porque ela é realmente a maior cantora desse país de grandes cantoras, e a voz do povo é a voz de Deus. Agora a miss ritmo, como também é conhecida a Thais Motta, é a nova favorita dos aspirantes da marinha. E é a minha favorita também. O triste é que passados cinqüenta anos, numa cidade como o Rio de janeiro, berço da bossa, a bossa nova e a música brasileira no geral, tenha pouco espaço para ser escutada pelos seus milhões de fãs espalhados pelo mundo e que visitam a cidade aos milhares, na esperança de encontrar uma casa de show a cada esquina. A bossa nova por exemplo, fica praticamente restrita ao Vinícius bar, em Ipanema, que por não ter concorrentes, não se empenha em melhorar o serviço, funcionando com um staff que não está nem a altura da grandeza da nossa música, nem a altura da cidade do Rio de janeiro. Alô alô empresários, tem mercado e público para boa música que se faz nesse país sim senhor, o mundo inteiro está de olhos bem abertos para o Rio, vamos investir na bossa, na música brasileira e nos grandes artistas que estão por aí precisando trabalhar. A hora é essa e agora.

sábado, 21 de novembro de 2009

SORTE DO DIA

"PUNK A VIDA, ANTES QUE ELA TE ESPANQUE"



BOM FINAL DE SEMANA PARA TODOS.

COITADA

Na boca daquela moça
Eu não valia nada
No coração dela
Eu era uma piada
Coitada daquela moça
Coitada!
Hoje, naquela boca calada
Naquele coração surdo
Vejo uma moça atrapalhada
Sem norte
Sem rumo
A tatear no escuro
Da sua alma cansada
Das noites sem travesseiro
E das suas manhãs nubladas.
Assim vai seguir a moça
Até o final dos tempos
Sem força
Sem lava
Refém do meu silêncio
Ausente do meu perdão
Longe da minha graça
Coitada!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O SILÊNCIO

ELE PREFERIU O SILÊNCIO
UM BICHO MORDEU A LÍNGUA DELE
E LHE ROUBOU O SOM DAS PALAVRAS.
FICOU MUDO.
A CABEÇA ENFIADA NO TRAVESSEIRO
O CORAÇÃO PARALISADO PELO MEDO DA ENTREGA.
ELE PREFERIU O SILÊNCIO
E NÃO VIU A MINHA MÃO ESTENDIDA
LHE OFERECENDO AMIZADE
PORQUE A SUA CABEÇA
ESTAVA ENTERRADA NO TRAVESSEIRO
COM O CORAÇÃO PARALISADO
PORQUE
ELE
PREFERIU
O SILENCIO.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

ALÉM DE QUEDA, COICE.

         
          Assim costumava se referir a minha tia Nilza às interpéries da vida. "Além de queda, coice", uma visão pessimista naturalmente, pois como se não bastasse cair do cavalo, o animal ou a vida, ainda lhe brindaria com um belo coice, ou com um tiro de misericórdia. Não costumo ser pessimista, sou piscianao, sonhador e conto sempre, em qualquer situação, que tudo vai dar certo e os meus sonhos vão se realizar. As vezes eu acerto, outras vezes, não. Ultimamente venho me sentindo como a minha velha tia pessimista, péssimo. Como se não bastasse as duas semanas de calor insuportável e initerrupto, que estávamos vivendo não só na cidade maravilhosa, como em boa parte do sul e sudeste do país, tivemos a dois dias atrás, um blecaute nacional, que só na cidade do Rio de janeiro, durou cerca de seis horas.
          Como se não bastasse, o tal blecaute, que deixou as escuras dezoito estados da federação, não tem ainda, uma explicação convincente para sua causa. Culparam uma tempestade de raios que atingiu as estações geradoras de energia, que por sua vez, por uma questão de segurança, desligaram automáticamente outras tantas estações, deixando o país as cegas, gerando desconforto, insegurança, medo, e causando pânico, prejuízo e desespero em milhões e milhões de pessoas. Teve gente que ficou presa em elevador, gente que foi assaltada, gente que foi assaltada e assassinada, teve arrastão, acidente de transito aos montes, teve gente que teve os eletrodomésticos da casa queimados e gente que teve a própria casa incendiada, pela sobrecarga de energia, quando esta voltou. Teve até, é claro, partida de futebol suspensa e adiada.
          Se na luz do dia, as claras, já vivemos na bagunça em que vivemos, imaginem à noite, sem luz durante horas. Essas coisas nunca acontecem as dez da manhã por exemplo. As tempestades de raio só acontecem na calada da noite. E como se não bastasse, aqui no Rio, vários bairros estão com o abastecimento de água reduzido. Ontem, Botafogo e Flamengo ficaram sem água o dia inteiro, sem falar nos semáforos da praia do Flamengo, que hoje à tarde ainda estavam em pane, sem funcionar, obrigando aos pedestres a atravessarem as pistas, correndo o risco de serem atropelados.
           Como se não bastasse teve missa de sétimo dia da minha amiga hoje pela manhã, visitas de família que quase sempre resultam em noticias desagradáveis, e aí eu disse basta! Entrei no Botafogo praia shopping e no quarto piso encontrei o paraíso, um belo sorvete de iogurte, com calda e gotas de chocolate e pedacinhos de kiwi que me levaram ao limbo e me fizeram voltar ao normal da minha rotina, ou seja, ser simplesmente feliz. O que seria da vida se não fosse o sorvete de iogurte? Os raios que se partam, e os macacos que se mordam. Voltei para casa, acendi os incensos, tomei um belo banho, mas deixei dois baldes cheios caso ela resolva faltar de novo amanhã, e fui tocar o meu violãozinho, cantando baixinho para me acalmar ainda mais. Nunca foi tão fácil ser feliz. Sorvete de iogurte, violão e incenso. Além de queda coice, uma ova! Amanhã o dia vai amanhecer lindo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

PARTIDO VERDE NELES

          Já estamos na segunda semana de calor intenso na cidade do Rio de janeiro. Em plena primavera, estamos sofrendo um calor anormal e sufocante. No mes passado tivemos um período intenso de chuvas na cidade, que causou transtornos a toda população carioca. Isso aparentemente não é nada comparado ao que tem sofrido a população dos estados de Santa Catarina e Paraná, com os temporais que tem castigado aquela região, sem falar nos tufões das Filipinas, nos terremotos da Indonésia, nos tornados e furacões do Caribe e Estados Unidos, que tem ceifados milhares de vidas.
          O cinema catástrofe acena com mais um sucesso de bilheteria, o filme "2012", o ano em que o mundo vai acabar. Ainda não vai ser em 2012, mas se continuarmos assistindo passivamente ao desmatamento do planeta, ao absurdo da mudança do curso dos rios, à emissão incontrolável de gases toxicos na atmosfera, e outras mazelas que tem alterado a temperatura do planeta, causando tantas catástrofes ambientais, 2012, o filme, não estará muito longe de acontecer na realidade. Vamos então descruzar os braços e fazer a nossa parte.
          No ano que vem elegeremos mais uma vez o presidente do nosso país. O Partdido Verde acena com uma candidatura de peso e categoria, a Marina Silva, uma mulher cuja história de vida já a credencia para a vitória. Sendo o Brasil um país onde está localizada a maior floresta do mundo, o pulmão do planeta, um país rico em recursos naturais, que está em franca ascensão no cenário político internacional, é hora de parar com a demagogia dos nossos políticos profissionais, que falam muito e agem pouco, e eleger uma presidenta, oriunda da floresta, que conhece como poucos a importancia da preservação dos recursos naturais do planeta, para que a raça humana seja também preservada e para que as futuras gerações possam viver em um mundo mais saudável. Elegendo a Marina Silva e fortalecendo o Partido Verde, estaremos caminhando, a partir do Brasil, para um futuro mais digno e saudável aqui no planeta Terra. Partido Verde neles!

sábado, 7 de novembro de 2009

VIVA MARIA LUCIA! VIVA!






          Morreu Maria Lucia, 89 anos e pique de menina. Ela era uma divertida senhora, pequenina, bem falante e bem humorada, que tinha uma fé inabalável e que tratava a todos de “menina ou minha filha”, mesmo que o interlocutor fosse o padre da paróquia e ela, entretida na conversa, sempre animada, sempre pra cima, nem percebia o erro de gênero. Éramos todos, “suas meninas”. Ela entrou na minha vida quando eu me mudei para o prédio onde ela morava, no Leme, eu no 702 e ela no 802, no ano de 1994. No início daquele mesmo ano ela havia perdido o seu único filho, Antonio Maria, e como eu e o Antonio tínhamos quase a mesma idade, ela substituiu o amor de mãe saudosa e me adotou como filho. Fomos mais do que isso, fomos bons amigos.

          Maria Lucia era paraense de Belém e no início dos anos oitenta, depois de ficar viúva, resolveu se mudar para o Rio de janeiro de mala e cuia, trazendo a tira colo, o Antonio e a Raimundinha, sua dama de companhia, e no colo da Raimundinha, a Ana Claudia, filha desta, com apenas meses de vida. Vieram de ônibus, atravessando metade desse país imenso, com os corações esperançosos, prontos para o que desse e viesse, como reza a cartilha do nortista que deixa a sua terra natal. Antonio partiu cedo e Maria Lucia se dedicou à igreja do Rosário, dirigida pelos frades dominicanos, na paróquia do Leme. Foi quando nos conhecemos.

          Eu estava morando só pela primeira vez, depois de doze anos de uma relação que acabara naquele ano de 94. Não que eu fosse de fazer festas, mas saboreando o doce sabor da liberdade e o amargo da solidão, às vezes as minhas visitas, íntimas ou não, se estendiam até mais tarde, e o som da cantoria e do violão também, o que certamente incomodava as corujinhas que moravam no andar de cima. Mas as corujas nunca reclamaram, também dormiam tarde e deviam, certamente matar a saudade dos barulhos que o Antonio Maria devia fazer, quando era vivo e jovem como eu. Corujas era como elas se auto intitulavam, porque como dizia Maria Lucia, elas eram como as corujas, que nunca dormem, mas estão sempre prestando atenção a tudo, nos mínimos detalhes.

          Numa tarde de domingo, Raimundinha tocou a campainha do meu apartamento e quando eu atendi, ela sorrindo encabulada, me entregou, enrolado em um pano, um prato com uma comida típica do Pará, e sem olhar nos meus olhos me disse: Dona Maria Lucia mandou para o senhor. Eu não lembro se era pato no tucupi ou no tacacá, o que eu me lembro, era que estava delicioso e coincidentemente, eu que adoro cozinhar, naquele domingo, tinha resolvido dar folga ao fogão. Estava ali selada a nossa amizade. Elas me pegaram pelo estomago. E vice e versa. Quando eu preparava alguma coisa típica da Bahia, também mandava um pratinho para o 802.

          Um dia ela apareceu na minha casa, acompanhada de mais três senhoras e da sua inseparável, Raimundinha, levando uma imagem de Nossa Senhora do Rosário, dizendo que aquela imagem peregrinava pelas casas do bairro e que em cada casa, a imagem ficava por uma semana, e que a minha casa havia sido escolhida naquela semana, caso eu concordasse em hospedar a santa. É claro que eu aceitei, e a santa se hospedou algumas outras vezes ao longo dos quatro anos e meio em que fomos vizinhos. Todos os dias, de segunda a sexta, pela parte da manhã, Maria Lucia fazia o seu trabalho voluntário na paróquia do bairro, ajudando aos pobres do morro do chapéu mangueira e também aos moradores de rua do bairro.

           Depois eu mudei para Botafogo, e Maria Lucia e as suas aias, Raimundinha e Ana Claudia, que eu apelidei de meu “trio elétrico”, foram participar do almoço de inauguração da casa nova. Na verdade, toda eletricidade daquele trio, estava concentrada nela, já que as suas aias falavam pouco, eram tímidas, enquanto Maria Lucia, chefe do trio, era uma tagarela de marca maior. Quando eu fui viajar e tive que deixar o Rio de janeiro por alguns anos, era para Maria Lucia que eu ligava, lá de fora, para matar as saudades, saber das novidades e dar risada, pois ela sempre tinha uma piada na ponta da língua. Mesmo nas situações trágicas, ela sempre arrumava um jeito de ver o lado positivo da vida, pois segundo ela mesmo dizia, “as coisas melhorando, ficam boas”.

            Voltei das minhas viagens para tentar me restabelecer no Rio de janeiro outra vez. Fui morar no Flamengo, ainda mais longe do leme e pela primeira vez em quinze anos, eu esqueci de cumprimentá-la no dia do seu aniversário, 29 de julho. Nem isso abalou a nossa amizade. Ela compreendeu o momento difícil e atribulado que eu estava passando e como boa mãe, perdoou o meu esquecimento.

             Quatro semanas atrás, Maria Lucia teve uma anemia forte, emagreceu, ficou fraquinha, mas não perdeu nem a alegria de viver, nem o bom humor. Três dias antes da sua partida eu liguei pra ela e fizemos planos de caminhar na praia para treinarmos para a maratona das olimpíadas de 2016. Tudo parecia bem. No dia seguinte a esta nossa conversa, ela foi internada com pneumonia e 24 horas depois nos deixava. Ao seu enterro, compareceu todas as amigas da paróquia, do prédio, e do bairro, todas com mais de setenta e tantos anos, num sábado infernal, de sol inclemente, 40 graus de uma primavera incomum no Rio de janeiro. Como eu era o mais jovenzinho das suas “meninas”, tive forças para acompanhar Maria Lucia até a última morada, segurando a alça do seu caixão, como fazem os bons filhos. Morreu Maria Lucia, vou sentir saudades das suas conversas, das suas piadas, das suas histórias, do seu bom humor. Que viva Maria Lucia, viva!



Ricco Duarte

Rio de janeiro, 07 de novembro de 2009.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

SORTE DO DIA

"QUANDO A VIDA LHE DER AS COSTAS

     PASSE A MÃO NA BUNDA DELA
  
        E SIGA EM FRENTE"



BOM FINAL DE SEMANA PARA TODOS.

O VERBO NO PASSADO

OLHA NOS MEUS OLHOS
DIZ QUE NÃO ME QUER
SÓ ASSIM EU VOU PODER PARTIR
E TE ESQUECER
PRA CUIDAR DE MIM
PRA TENTAR SOBREVIVER
LARGA A MINHA MÃO
DIZ QUE EU NÃO SOU MAIS
O DONO DO TEU CORAÇÃO
SÓ ASSIM EU VOU PODER SEGUIR
E ME PERDER
PRA TENTAR SORRIR
DESSA ILUSÃO
FOI BOM ENQUANTO O TEMPO QUIS
EU SEI
EU SEI QUE A GENTE VACILOU TAMBÉM
CHOROU
SORRIU
GOZOU
FINGIU
BEIJOU FERIU E SE ARRANHOU
CHEGOU
PARTIU
ENTROU
SAIU
GRITOU PSIU!
DESAFINOU
SÓ DEUS SABE O QUANTO AMEI
O VERBO NO PASSADO
É ORGULHO EU SEI
MAS SÓ DEUS
SÓ DEUS
SÓ DEUS.

Letra e música de Ricco Duarte.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ESSA PESSOA



TEM UMA PESSOA QUE SEMPRE ME ACODE
E QUE TEM UM CORAÇÃO MAIS DESASSOSSEGADO QUE O MEU.
PENSEI NÃO SER POSSÍVEL HAVER ALGUÉM ASSIM
MAS HÁ, E AINDA ASSIM ME ACODE COM O SEU SACUDIMENTO.
TEM O CORPO FRANZINO
PÉS E MÃOS DE CRIANÇA
UNHAS ROÍDAS ATÉ A ALMA
VINCOS NO ROSTO E NA ALMA
E AINDA ASSIM ME SACODE COM O SEU ACOLHIMENTO.
JUNTOS, SOMOS SILÊNCIO E AIS
AS VEZES ELÉTRICOS
AS VEZES ESTÁTICOS
SEM PASSAR DO VOLUME QUATRO, JAMAIS!
JUNTOS, JAMAIS SONHAMOS
MESMO QUANDO ESTAMOS SEPARADOS
E A FALTA PODE NOS FAZER PENSAR SER POSSÍVEL
SONHAR O IMPOSSÍVEL
JAMAIS SONHAMOS.
E RIMOS, RIMOS MUITO DAS NOSSAS GRAÇAS
NOS NOSSOS MOMENTOS DE RELAXAMENTO
AS RISADAS FROUXAS DOS AMANTES.
JUNTOS, SOMOS ETERNOS
POR QUE NOS SABEMOS PASSAGEIROS DE NÓS MESMOS
E JURAMOS COISAS IMPOSSÍVEIS
ÄS VEZES INAUDÍVEIS, SUSSURRADAS, CALADAS
COISAS QUE SÓ OS OLHOS PODEM DIZER.
ESSA PESSOA NÃO TEM ENDEREÇO
TELEFONE, CAIXA POSTAL, CEP, EMAIL, NADA
TALVEZ NEM MESMO EXISTA DE FATO
E APENAS HABITE A MINHA IMAGINAÇÃO
FARTA DE TANTO DESASSOSSEGO.
FERNANDO SE SENTIRIA ALIVIADO AO SABER DESSA PESSOA
QUE VAI E VEM, ENTRA E SAI, PEDE, MANDA E NÃO AGRADECE.
ÁS VEZES ATÉ, EU OBEDEÇO
QUANDO ME APETECE O ATO DE ACEITAR E OBEDECER
E ASSIM, PODER SOSSEGAR, DORMIR, SONHAR E AGRADECER

terça-feira, 3 de novembro de 2009

SAUDAÇÕES TRICOLORES!

          E aí? Se divertiram? Beijaram na boca? Disseram e escutaram palavras gentis? Regaram as suas plantinhas? Assistiram a bons filmes? Escutaram boa música?Tomaram chuva na parada gay? Assistiram ao início da redenção do futebol carioca? Se você respondeu sim a cinquenta por cento dessas perguntas, parabéns!
          O meu final de semana começou com uma indicação de um amigo meu tricolor, o produtor Bruno Martins, sobre um site que voces não devem deixar de acessar e baixar os filmes ali indicados, principalmente o "Addendum",  o site é http://www.zeitgeistmovie.com/. Baixei o addendum e pirei. Naquele dia decidi que quem não se divertir nesse mundo no outro será advertido, pois ninguém está aqui a passeio. Daí que eu fui me divertir, trabalhando, porque eu não tenho culpa se o meu trabalho é a minha diversão, cantei lá no Vinícius, a única casa de bossa nova do Rio de Janeiro, berço da bossa.  A casa esteve cheia como sempre, porque quem é fã de bossa não tem outro lugar para ir, só o Vinícius, que a partir de março virá de cara nova com 120 lugares, camarim para os artistas, banheiros limpos e um staff bilíngue, como manda o figurino, mas mesmo assim precisamos de mais casas de boa música ao vivo nesta cidade.
         O domingo foi só de alegrias. Teve a parada gay debaixo de chuva e como estava chovendo, eu fiquei em casa fazendo a segunda coisa que eu mais gosto de fazer quando não estou fazendo música ou escrevendo, assistir a partidas de futebol. Primeiro o Botafogo ganhou com méritos do Internacional, lá dentro e deu uma respirada. Depois veio o jogo do meu Fluzão, contra o Cruzeiro, lá em Belo horizonte. Como o Botafogo já havia ganho fora de casa, fiquei apreensivo achando que um raio não caíria duas vezes no mesmo dia. Duas equipes cariocas ganharem fora de casa para equipes candidatas ao título era demais. Mas graças a Deus aconteceu. O Flu começou perdendo de dois a zero e aí no intervalo, o Cuca mexeu no time e certamente com o brio dos jogadores e a equipe voltou outra, deixou o Cruzeiro atônito e virou o jogo. O Fluminense voltou definitivamente a sonhar com a primeirona em 2010. Pela torcida linda e apaixonada que temos, merecemos ficar, o Rio merece o Flu na primeira para sempre. Ainda faltam cinco jogos, podemos ganhar os cinco se assim quisermos, e sair dessa para sempre. Viva o Fluminense! Viva o futebol carioca! Viva a vida! Saudações tricolores e boa semana para todos.
                 

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A BATERIA DO CELULAR

          NO EXATO MOMENTO EM QUE ÍAMOS DIZER ADEUS, EU TE AMO, LIGA SEMPRE QUE PUDER, MANDA UM EMAIL, A BATERIA DO CELULAR ACABOU E NÃO HAVIA TEMPO PARA MAIS NADA. A FILA DE EMBARQUE JÁ ANDAVA LONGE, OS COMISSÁRIOS OLHANDO IMPACIENTES, AQUELA METADE AMANTE SE DESPEDINDO AFLITA, CORAÇÃO APERTADO, OLHOS DISTANTES, PLUGADOS NO OUTRO LADO DE UMA LINHA IMAGINÁRIA, QUE DIVIDIA A FRONTEIRA ENTRE A INCERTEZA E A SAUDADE.
          PARTIMOS SEM DIZER ADEUS, EU TE AMO, LIGA SEMPRE QUE PUDER, MANDA UM EMAIL, NADA. SIMPLESMENTE O SILÊNCIO DA LIGAÇÃO INTERROMPIDA, FOI ROMPIDO PELA VOZ DO COMISSÁRIO IMPACIENTE, AVISANDO QUE EU ESTAVA ATRASADO PARA O MEU VÔO.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

AMOR PERVERSO


De Ricco Duarte
AMOR PERVERSO

EU TE AMO MEU AMOR
ACREDITE NISSO POR FAVOR
E QUERO QUE SOFRAS POR ISSO
QUERO QUE SE TORTURE
POR EU TE AMAR TANTO
NÃO QUERO QUE OLHES MAIS
PARA OS LADOS
NEM PARA ADIANTE
NEM PARA TRÁS
OLHE APENAS PARA MIM
VIVA SOMENTE PARA MIM
EU SOU O TEU AMOR
E QUERO QUE PADEÇAS COMIGO
QUERO QUE FIQUES DOENTE
QUE PERCA AS FORÇAS
E QUE DEPENDAS DA MINHA MÃO
PARA TODAS AS COISAS
QUERO QUE FALES PELA MINHA VOZ
QUE VEJA COM OS MEUS OLHOS
COMA COM A MINHA BOCA
E ESCUTE COM OS MEUS OUVIDOS.
QUERO TAMBÉM QUE TE PARALISES
PARA QUE EU SEJA AS TUAS PERNAS
E A TUA CADEIRA DE RODAS
PARA QUE NUNCA MAIS POSSAS CAMINHAR
SEM A MINHA AJUDA
QUE EU SEJA AS TUAS MULETAS!
QUERO QUE CHORES TODOS OS DIAS
POR TERES ALGUÉM COMO EU
QUE TE AMA MAIS QUE TUDO
QUE TE ATA AO PÉ DA CAMA
E QUE TE TRANCA POR FORA
PORQUE SÓ EU TENHO A CHAVE
DO QUARTO ONDE TU CONFINARÁS
NÃO TENS COMO ESCAPAR PORTANTO.
EU SOU A RÉSTIA DE LUZ QUE LHE CABE
A ÚNICA JANELA DA TUA VIDA
O TEU AMOR PERVERSO
A TUA DOR E O TEU ALÍVIO
A ÚNICA BOCA QUE TE BEIJA
O TEU ÚNICO ABRAÇO
PORQUE SÓ EU POSSO
TIRAR O FRIO INTENSO QUE SENTES
NO TEU CORPO E NA TUA ALMA
EU SOU O AGASALHO DA TUA ALMA.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

MÚSICA E FUTEBOL

          Acompanhando a rodada dos campeonatos brasileiros da série a e b ( sim, eu também acompanho a série b) me chamou especial atenção a grande quantidade de jogadores com nome de artistas e cantores da nossa música popular. A relação música e futebol é única, o canto das torcidas nos estádios, as charangas e baterias de escolas de samba a empurrar os times de coração para frente, são uma coisa emocionante e um espetáculo a parte, talvez por isso as mães na tentativa de unir o útil ao agradável, na esperança de que se o filhote não der certo no futebol, vai dar certo na música ou pelo menos ter nome de artista, decidiram batizar os seus rebentos com o nome dos nossos ídolos da canção. O caso mais famoso é o do nosso rei, Roberto Carlos, que inspirou provavelmente os pais do nosso craque da seleção. Neste final de semana anotei alguns outros nomes dos nossos artistas da bola que também tem nomes de artistas da música. Só na partida entre Atlético Goianiense e Brasiliense ( sim, eu sou louco por futebol, assisto a qualquer jogo, é terapêutico ), tinha Fagner, Fábio junior, Paulo Ricardo e Leo jaime, ou seja, não era um simples jogo, era um clássico pop, de segunda é claro. No enjoado time do São Caetano, tem o "Xuxa", xará da não menos enjoada estrela mirim de várias gerações do Brasil. No meu querido Fluminense ontem jogou o jovem Dalton, imagino ele chegando em casa depois de mais uma eletrizante e sofrida partida do Fluzão e pedindo prá mãe ou prá namorada, "cuida bem de mim". Antonio Carlos tem vários e torço para que alguns deles tenham sido batizados em homenagem ao nosso Tom Jobim. E indo de uma ponta a outra, não vamos esquecer do rei do brega escrachado nordestino, o Falcão, que provavelmente adotou esse nome em homenagem ao nosso craque e hoje comentarista da Globo. Viva a música e ao futebol também e se alguem souber de algum outro jogador com nome de artista é só me escrever. Paz nos estádios e no mundo.

domingo, 25 de outubro de 2009

DOMINGO NO ATERRO DO FLAMENGO.

          Pois é, me mudei há pouco tempo para o bairro do Flamengo e estou adorando. Apesar do nome, é um bairro tranquilo e charmoso e fica bem perto das Laranjeiras... Além da minha rua, a Oswaldo Cruz, que considero a mais bonita da cidade, o que eu mais curto no bairro é o Aterro, um dos parques mais belos do mundo. Aos domingos então, quando as pistas de alta velocidade são fechadas para lazer dos nossos habitantes, o Aterro fica ainda mais bonito, mais colorido, e como é imenso, muito mais tranquilo. As famílias podem passear em paz, jogar bola, fazer jogging, andar de bicicleta e as crianças se divertem a beça com as suas pipas colorindo o céu da cidade. Mas o que eu mais gosto mesmo é o último domingo de cada mês, quando a Secretaria municipal de cultura promove às duas horas da tarde, shows de choro, a essência da música brasileira. Hoje a atração foi o sensacional Maurício Carrilho e o seu grupo, que nos brindou com música da melhor qualidade, uma hora e meia de boa música, muito boa mesmo, que nos recarregou as baterias para enfrentar mais uma semana de batalha. E aqui vai um serviço de utilidade pública, no próximo ultimo domingo de novembro, dia 29, a atração vai ser o espetacular Carlos Malta, na minha opinião um dos maiores saxofonistas do Brasil, quiçá do mundo. Não percam! E tenham todos uma semana de paz.

sábado, 24 de outubro de 2009

TRICOLOR DE CORAÇÃO

          Por um abará, isso mesmo, por causa de um abará eu fui torcedor rubro negro por quinze dias. Era dia de Ba x Vi, o maior e único classico do futebol baiano e a primeira vez que eu fui a um estádio de futebol, aos dez anos de idade. Fui ao estádio levado pelo meu irmão mais velho, tricolor apaixonado e por dois primos meus, torcedores do Vitória. O Bahia tinha dez vezes mais torcedores que o Vitória, e os meus primos na tentativa de arregimentar mais um torcedor para a sua pequena torcida e sabendo que eu era louco por abará ( o mesmo que acarajé, só que cozido na folha de bananeira, uma delícia!), me compraram por um abará para eu ficar com eles do lado rubro negro. O Vitória ganhou o jogo por um a zero e eu fiquei na ilusão de que eles eram os melhores. Nas partidas seguintes, o Vitória perdeu todas para times pequenos do futebol baiano e o meu irmão mais velho, incomformado com aquela ovelha negra na familia, resolveu me levar para assistir a um Bahia x Ypiranga, o terceiro time em força de torcida naquela época. O Bahia ganhou o jogo, ganhou o campeonato e eu fui na onda do meu irmão, torcendo apaixonadamente pelo glorioso Esporte clube Bahia até o dia em que fui às Laranjeiras, assistir a um Bahia x Fluminense pelo campeonato brasileiro.
         Eu já estava morando no Rio de janeiro fazia alguns anos e fui ao jogo prestigiar o tricolor baiano e comemorar o meu aniversário, mas ao chegar lá, além de não haver um só torcedor baiano no estádio, eu me apaixonei instataneamente pela torcida tricolor carioca. Uma gente linda, educada, bem nascida, lotando aquele pequeno estádio que hoje só serve aos treinos da equipe. Era um colorido contagiante. O Fluminense ganhou de tres a um e eu saí de lá cantando que era "tricolor de coração, do clube tantas vezes campeão" e fui tomar um porre com meus novos amigos de futebol e torcida.
         O dia seis de março de 1989 ficou no meu calendário como o dia em que eu me tornei tricolor de coração. Não, não foi uma traição, foi paixão a primeira vista, ninguém me pagou sequer um refrigerante, abará então nem pensar, isso não existe infelizmente no Rio, mas havia um sentimento de fraternidade naquela "playboizada" bonitinha e bem vestida e eu me identifiquei de cara, já que eu sempre fui também um almofadinha, um cara letrado, educado, que nunca gostou de confusão (até pisarem nos meus calos). De quebra esse é o time de coração de dois dos meus ídolos, Nelson Rodrigues e Chico Buarque, e tem no seu elenco de torcedores, alguns personagens ilustres do meio cultural brasileiro, como Jô Soares, Nelson Mota, Artur Moreira Lima e tantos e tantos outros, de maneira que junte-se aos bons e serás um deles. Preferí ficar na boa companhia.
          Títulos ao longo desses últimos anos foram poucos. Além do célebre gol de barriga do Renato em 1995 e da campanha fabulosa na libertadores de 2007, foram poucas as glórias tricolores. Fomos rebaixados tres vezes, e no momento em que escrevo estas linhas, estamos a caminho do quarto rebaixamento, mas eu não ligo( mentira, fico puto a cada derrota) mas não me arrependo de ter trocado o tricolor baiano pelo carioca. O baiano está a caminho da série C mais uma vez e tem um time que é a cara da Bahia, cafuso, digo, confuso. Já nós, não perdemos a pose jamais e convenhamos, a série B é bem mais animadinha que a série A, Vasco, Corinthians, Palmeiras, Gremio, Botafogo e o próprio Fluminense que o diga. O Flu gostou tanto que está quase voltando outra vez, mas eu sequirei tricolor carioca para sempre, acompanhando os jogos e roendo as unhas até o apito final do juiz de campo e do juiz do céu.


                                                    A torcida mais linda do mundo


      Torcida tricolor em Barcelona na final da Libertadores. éramos quatro mas fizemos um barulho...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O VOVÔ MAIS SEXY DOS MARES

Trecho do romance "Jaime, o marinheiro"

A história do viúvo


Eu também contei as minhas histórias, melhor dizendo, estórias. Um navio é como uma pequena vila, uma comunidade onde vive um pequeno número de pessoas e como todo lugar pequeno, todo mundo sabe da vida de todo mundo. Isto eu percebi desde o meu primeiro contrato, daí que eu procurei me preservar ao máximo, dando o mínimo de informação possível sobre a minha privada. Ora, já não bastava ter que dividir cabine, aturar o ronco, os peidos, os arrotos e o mau cheiro de um desconhecido, e ainda ter que se fingir de intimo daquelas pessoas? Comigo não. Vida privada é vida privada e a minha, eu deixei em terra, a bordo eu era uma outra pessoa, ou melhor, varias pessoas. Inventei uma brincadeira de contar uma estória diferente para cada um. Sempre que me perguntavam algo sobre a minha vida pessoal, e eu percebia que era só por curiosidade, para passar adiante, eu inventava uma estória, de preferência dramática, porque o ser humano adora mesmo é ver a desgraça do outro. Como a estória de que eu era viúvo.

Sandra era uma peruana, descendente de japoneses, e trabalhava na recepção. Ela já estava naquela vida de navios há muitos anos e o seu grau de informação não passava da revista “hola”, ou “caras”, essas revistas de fofoca, de forma que ela era a fofoqueira mor do Brilliance. Sandra sabia da vida de Deus e o mundo, até da vida do Comandante. Se você queria saber das novidades, com riqueza de detalhes, perguntasse a Sandra, e ela lhe contava com o maior prazer.

Eu costumava sentar na mesma mesa todos os dias, seja no almoço ou no jantar, era uma mesa no canto, próximo a uma janela, para desfrutar da luz natural que eu não tinha na cabine. De vez em quando a Sandra vinha e sentava comigo para comer, e me contava as últimas, sem que eu perguntasse, é claro. Coisas do tipo, quem tinha comido quem na noite anterior, quem era veado, quem ia ser despedido e porque, e até quem tinha o pau pequeno e mau hálito. Sandra era um poço de cultura inútil. Num daqueles almoços em que eu era forçado a desfrutar da sua companhia, ela se estendeu até um pouco mais além da sobremesa e ficou ali, sozinha comigo, repassando o que não me interessava, até que ela me perguntou o que eu já estava esperando fazia um bom tempo.

- E você Jaime, você está sempre sozinho, raramente aparece no bar, nunca vem às festas, nem quando a bebida é de graça. Aposto que você tem uma namorada a bordo, ou será um namorado? Sabe como é, na vida de navio tudo é super normal.

Aquilo foi demais, mas não tanto quanto o que ela iria escutar. Eu abaixei a cabeça, fiz um ar de triste, fiquei calado por longos dez ou quinze cinco segundos, tempo suficiente para ela pegar na minha mão e dizer para eu não ficar encabulado, que podia desabafar, que ela não iria contar pra ninguém. Então eu respirei fundo e comecei a contar a minha estória solenemente, sem levantar os olhos da mesa, nem tirar a minha mão da dela.

- Sabe Sandra, eu não gosto de falar da minha vida pessoal, mas como você é de confiança eu vou lhe contar. Desde que a minha mulher morreu, de câncer, no cérebro, e eu tive que criar o meu filho sozinho, eu decidi que não iria nunca mais, ter outra pessoa na minha vida. A Rosana foi e é, o grande amor da minha vida, a mãe do meu único filho, a mulher que me amou, que se sacrificou por mim, a pessoa que eu mais amei e tenho certeza que foi a que mais me amou também, mais do que a minha própria mãe. A doença apareceu de repente, começou com uma dor de cabeça que não passava, quando os médicos descobriram já era tarde, ela morreu em menos de seis meses. Nosso filho tinha sete anos e eu tive que ser pai e mãe dele. Quando ele completou quinze anos, e já estava podendo se virar sozinho, apareceu esta oportunidade de vir trabalhar nos navios e eu aceitei. Deixei o meu filho na casa da minha mãe e aqui estou, para me esquecer desse passado, pois ainda me dói muito, a presença dela ainda é muito forte, por isso eu não vou as festas, e sou este cara triste que você está vendo.

Quando eu levantei os olhos, Sandra estava aos prantos, lágrimas de crocodilo rolavam dos seus olhinhos de japonesa emprestada. Eu segurei a sua mão com força e disse que estava tudo bem, que ela não chorasse, porque ali no navio eu era feliz, pelo menos tinha um trabalho que aliviava a minha dor e amigos de verdade como ela. Sandra enxugou as lágrimas e disse que sentia muito e me pediu desculpas por ter pensado mal de mim, que não tinha sido por maldade, mas como eu era muito calado, não conversava com ninguém, ela imaginou que eu tinha algum segredo. Eu respondi que tinha, mas que agora ela já sabia qual era e que não se preocupasse que eu estava bem, que eu tinha certeza que lá do céu, a Rosana estava olhando por mim e pelo nosso filho. Ela se despediu dizendo que já estava atrasada para o turno da tarde e foi embora me prometendo que iria guardar aquele nosso segredo a sete chaves.

Depois que ela saiu, eu fiquei na mesa segurando o riso por não mais de cinco minutos, terminando a sobremesa, quando chegou o Robert, um uruguaio que trabalhava no cassino e que tinha acabado de encontrar com a Sandra no corredor, fora do refeitório.

- Jaime, eu não sabia que você era viúvo, poxa cara sinto muito, encontrei a Sandra chorando no corredor e ela me contou a sua história.

Eu respondi contendo o riso.

- Pois é, ela lhe contou foi? Mas já está tudo bem, isso foi há muitos anos. Eu agora estou em outra.

Passei o resto daquele contrato sendo tratado como um idiota desamparado. As pessoas quando me encontravam, me olhavam como se eu fosse um coitadinho, mas não ousavam tocar no assunto. Eu me divertia imaginando o que eles comentavam pelas costas, e as coisas absurdas que especulavam. Aí eu fui me especializando no assunto, às vezes eu dizia, que nunca mais tinha conseguido ter uma ereção, que tinha ficado broxa, e me aproveitando disso, só comia quem me interessava de verdade, deixava me seduzir, me fazia de bobo e pimba, depois caía fora, como manda o figurino do bom marinheiro. Uma vez, para impor respeito, disse que o meu filho ia ser pai, e eu avô. Até ursinho de pelúcia ganhei de presente, de uma russa, que quis comer o vovô e me seduziu com um presentinho para o meu futuro netinho, acompanhado de um cartão que dizia: “para o vovô mais sexy dos mares”. Depois da russa, todo mundo queria comer o vovô, e eu segui tirando partido da situação, quando bem queria e a presa me apetecia.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

AMO TE LISBOA.


De Ricco Duarte
AMO TE LISBOA

AMO TE MAIS QUE TUDO
MAIS QUE TODAS
ÀS VEZES MAIS DO QUE A MIM MESMO
OUTRAS VEZES
MAIS DO QUE O MEU RIO DE JANEIRO
E SABENDO QUE É UM EXAGERO
AMAR TE DE TAL FORMA
AMO TE LISBOA.
POIS DE TI PARTIRAM UM DIA OS TEUS
PARA DESCOBRIR OS MEUS
E FAZER DE MIM O QUE SOU
AURI VERDE LUSITANO
CIDADÃO DO MUNDO
CARIOCA E BAIANO
BRASILEIRO
AMERÍNDIO E MULATO.
AMO OS TEUS CHEIROS
AS PEDRAS DOS TEUS CAMINHOS
AS TUAS VELAS AO VENTO
O PORTO DOS TEUS VINHOS.
AMO OS TEUS CASTELOS
OS TEUS SONHOS
E AS TUAS GUITARRAS
EMBALANDO A VOZ DE AMÁLIA
PRESENTE EM CADA ESQUINA
DO TEU CÉU.
AMO O AZUL DO TEU SOL
O NEGRO DO TEU FADO
OS TEUS POEMAS
VIVOS NOS VERSOS DE PESSOA
A REVELAR A BELEZA DO TEU ROSTO
SEM VÉU.
AMO TE MAIS QUE TUDO
POIS DE TI PARTÍ UM DIA
ABRINDO AS PORTAS DO TEJO
PARA CONQUISTAR O MUNDO.
AMO TE POR QUE SEI
QUE SEMPRE ESTARÁS
DE BRAÇOS E OLHOS ABERTOS
A ME ESPERAR E A ME GUIAR
COMO UMA MÃE
QUE NÃO VÊ O FILHO HÁ ANOS
COMO A AMANTE
QUE ENCONTRA NO SEU HOMEM
O CANTO.

A MULA

Trecho do romance "Jaime, o marinheiro"


A história do Nuno.


Lá no Serenade, teve uma época em que a comunidade que falava português era razoavelmente grande. Éramos quatorze, dois brasileiros, nove portugueses, um canadense filho de portugueses, um sul africano que morou em Lisboa por muitos anos e um angolano. O angolano se chamava Nuno, e era um mulato nem alto nem baixo, nem bonito nem feio, que estava começando a ficar careca e era muito calado. Estávamos no final de ano, perto do natal, quando alguém descobriu que se podia comprar bacalhau de boa qualidade em Porto Rico. Daí resolvemos comemorar o nosso natal a grande, como se diz lá em Portugal. Reunimos a pequena comunidade, pedimos autorização para usar o bar de staff e oficiais, que sempre estava vazio e desocupado, já que a maioria preferia mesmo era ir para o bar da tripulação, que era maior e mais animado, e organizamos o nosso natal, com direito a bacalhoada, música, troca de presentes e muito, muito vinho. Foi nessa noite que eu conheci o Nuno.

O Nuno tinha, segundo ele, vinte e seis anos, mas parecia ter muito mais de trinta. Eu sempre o via no refeitório, mas não sabia que ele falava português, nem que era angolano. Eu tinha levado, a pedidos, um teclado que conseguira emprestado com um dos músicos da orquestra e lá pras tantas, depois da troca de presentes e com muitos copos na cabeça, comecei a tocar. A turma toda em volta cantando, pedindo uma música e outra e eu lá, de super bom humor, atendendo aos pedidos e me divertindo também. Aos poucos o grupo foi diminuindo, pois alguns tinham que acordar cedo para trabalhar e no final ficamos eu, o Claudio, que trabalhava nos bares e o Nuno, que como eu fiquei sabendo naquela noite, trabalhava como garçon no dinning room. Ficamos os três, bebendo, eu tocando baixinho, e os dois escutando e conversando entre si. O Claudio pegou no sono e o Nuno se aproximou e foi logo dizendo:

- Pois é brazuca, faz tempo que o senhor trabalha aqui nos navios?

Eu respondi que aquele já era o meu sexto contrato e perguntei quantos contratos ele já tinha feito. Ele respondeu que era o primeiro e com certeza o último. Eu disse que já conhecia aquela estória e perguntei como ele veio parar ali. Ele já estava muito bêbado, mas firme. Então sorriu e me disse que estava ali fugido da polícia. E explicou na maior naturalidade, enquanto eu continuava tocando e escutando a sua história.

- Eu trabalhava em Luanda para um alemão filho da puta que era traficante de drogas, eu era uma espécie de gerente da boca, o senhor entende? Mas fui me meter com a mulher do sujeito, uma preta gostosa que de vez em quando eu comia. A preta era safada, dava pra todo mundo e o gringo desconfiava. Um dia lá, a preta apareceu morta, com dois tiros na cara e o gringo quis me incriminar. Antes que a policia me pegasse, eu fugi pra Lisboa e lá eu arrumei serviço num cargueiro que vinha pros Estados Unidos. Arrumei os papeis e fui pra Miami. Em Miami eu trabalhei num restaurante indiano, até que eu vi o anúncio que estavam recrutando garçon para trabalhar em navio de cruzeiro e aqui estou. O senhor tem cara que gosta de uma farinha. Eu soube que em San Juan...

Antes que ele continuasse eu o interrompi dizendo que ele tivesse cuidado de comentar essas coisas dentro de um navio, porque ali dentro ninguém podia confiar em ninguém. Ele falou que “o gajo estava a dormir”, se referindo ao Claudio. E continuou dizendo que em San Juan ele tinha conhecido uns caras que tinham uma farinha da boa. Eu dei risada e disse que se era farinha não podia ser da boa, pois farinha no Brasil era droga malhada, misturada, de má qualidade. Ele riu e perguntou se eu não queria ir com ele na próxima vez que o navio parasse em Porto Rico, para comprar da boa. Eu disse que não cheirava mais e que ele não levasse aquilo pra dentro do navio, pois se pegassem, ele estava frito. Nesse ponto o Claudio acordou e eu achei melhor dar por encerrada aquela brincadeira natalina. Arrumamos e limpamos o salão e eles me ajudaram a levar o teclado de volta até o teatro.

Mas o Nuno não largava do meu pé. Virava e mexia, lá estava ele, aonde quer que eu estivesse tocando, dizendo:

- Ô pá, passei por aqui só pra escutar a sua música, o senhor toca muito bem, se eu soubesse tocar assim, não estaria carregando bandeja.

Um dia, eu estava num intervalo, indo em direção ao banheiro, quando encontro com o Nuno, uniformizado, cheirando a álcool e todo sorridente, logo ele que era um sujeito calado, todo fechado. Quando ele me viu, veio na minha direção e estendeu a mão para me cumprimentar. Eu estendi a minha também e senti que ele estava tentando me passar algo, que havia algo como uma pedaço de papel entre a sua mão e a minha. Eu retirei a minha mão e um papelote de cocaína caiu no chão, aos meus pés. Ele se abaixou, recolheu o troço do chão e me disse baixinho:

- Pô brazuca, vai me fazer essa desfeita, estou indo embora daqui a duas semanas, vou levar um carregamento pra Europa, e trouxe uma mostra pro senhor matar a saudade. Se o senhor gostar podemos fazer sociedade. Eu sei que no senhor eu posso confiar.

Eu sorri fingindo estar achando engraçado aquilo tudo e disse baixinho também, sorrindo e olhando nos olhos dele, que ele sumisse com aquilo dali naquele minuto, que ele podia sim confiar em mim, mas que eu ia fazer de conta que não tinha acontecido nada e que ele fosse escovar os dentes e colocar um desodorante, por que ele estava cheirando a álcool, muito forte e que se um passageiro reclamasse, ele estaria em maus lençóis. Ele disse que os passageiros que se fodessem, pois ele já estava indo embora mesmo, e que se eu mudasse de idéia, que o encontrasse no bar mais tarde.

Fiquei as duas semanas seguintes sem aparecer no bar. Na véspera dele ir embora, eu o encontrei casualmente e ele me falou todo misterioso.

- Como é que é ô brazuca, o senhor sumiu. Amanhã é o grande dia. Já tenho tudo arranjado, pego a carga no aeroporto e me mando pra Europa. Se quiser vir comigo, ainda está em tempo.

Eu lhe desejei boa sorte e brinquei com ele, dizendo que agora que ele iria ficar rico e livre daquela escravidão, não esquecesse dos pobres e que desse notícias, se pudesse. Nuno foi embora e nunca mais se soube dele. Eu fiquei lembrando do Dr. João Carlos, o médico brasileiro, que disse que iam tentar me fazer de mula, que iam me pedir para levar droga de um porto pra outro. De uma certa forma, quatro anos depois, o Doutor João ainda continuava acertando.





A LAVANDERIA

Trecho do romance "Jaime, o marinheiro".


A história da Adriana.


A lavanderia é um ponto de encontro. Existem geralmente, duas lavanderias para os tripulantes, com quatro máquinas de lavar e secar cada uma. Se você vai lavar roupa, é melhor levar um livro pra ler, ou uma música para escutar e ficar de plantão por lá até a sua roupa secar, pois se você vacilar, alguém pode tirar a sua roupa da secadora, ainda molhada, para colocar as dela, deixando as suas no chão, ou então, simplesmente podem roubar algumas peças, normalmente as íntimas. Eu nunca entendi a razão pela qual alguém pode roubar calcinhas, cuecas e meias que não lhe pertencem, mas em um navio as coisas não precisam de um motivo lógico para acontecer, de maneira que a lavanderia é um lugar que está sempre movimentado. As pessoas ficam por ali, ou esperando a roupa lavar e secar, ou esperando por uma máquina disponível. Eu gostava de lavar roupa de madrugada, quando o movimento era menor.

Naquela noite eu tinha acabado de colocar a minha roupa na secadora, quando Adriana chegou.

- Oi, você não é o pianista que toca no lobby? Que bonita a maneira que você toca. É música brasileira aquilo não é? Me encanta a música brasileira. É uma vida boa esta vida de músico não é? Eu estou cansada de carregar pratos e de aturar esses gringos malditos, eu queria ser artista, cantora, dançarina, sei lá, tocar um instrumento, ter uma vida fácil como a de vocês.

- E o talento? Você tem algum talento para cantar, dançar ou tocar algum instrumento?

Perguntei, interrompendo o discurso daquela gorda que não parava de falar. Ela respondeu que talento pra cantora não, porque não tinha uma voz bonita nem era afinada, mas que para atriz talvez, que quando ela era pequena, ela queria ser atriz de novela de televisão, que achava lindo as atrizes de telenovela, sempre lindas, sempre maquiadas, com roupas elegantes. Nesse ponto ela fez uma pausa e me pediu desculpas por interromper a minha leitura. Eu disse que não tinha importância, que tudo bem, que ela podia continuar falando que eu estava escutando, mas antes que ela continuasse e aproveitando que ela estava colocando sabão na máquina de lavar, eu perguntei como era o seu nome, o que ela fazia a bordo e porque que ela tinha vindo trabalhar nos navios.

Adriana era chilena, de Punta Arenas, no sul do país. Ela era uma morena clara, baixinha e gorda, da cara redonda, os cabelos lisos, pintados de louro, com traços visivelmente andinos, de olhos pequenos e apertados, como os índios. Eu me apresentei, disse meu nome, que era do Rio de janeiro, e ela, sem olhar diretamente nos meus olhos, depois de colocar a sua roupa para lavar, se recostou na parede e olhando para o chão, deu um suspiro longo e começou:

- Eu tinha quase vinte anos, quando um dia, na cozinha da casa da minha mãe, ajudando a mamãe a lavar os pratos do almoço, eu olhei para os meus sapatos, que estavam furados de tão velhos, e pensei que eu não podia continuar daquela maneira. Aqueles eram os meus únicos sapatos e eu já tinha praticamente vinte anos, não podia seguir pedindo que a minha mãe me comprasse sapatos e roupas novas. Somos uma família pobre entende? Então eu resolvi ir embora do Chile. Escrevi para uma tia minha que morava na Alemanha. A minha tia tinha um pequeno restaurante em Hamburgo e precisava de alguém que a ajudasse no serviço. Ela me mandou a passagem e eu fui. Trabalhei com ela quase cinco anos, morando na casa dela, com seu marido e os meus dois primos. Paguei a passagem aos poucos, com o meu trabalho, que era basicamente, limpar, lavar e cozinhar para eles e para os clientes do restaurante. Trabalhei duro, aprendi a falar alemão, fiz boas amizades. Um dia um casal belga, que eram clientes do restaurante, me convidou para eu ir com eles para Bélgica, cuidar do bebê deles. Como eu já estava cansada daquele trabalho no restaurante, eu fui. Fiquei com os belgas mais ou menos uns dois anos, aprendi um pouco de Francês, e aí então, eu conheci o Arquimedes, um grego bonito, que estava de passeio em Bruxelas. Nos conhecemos num parque e foi amor à primeira vista. Naquele tempo eu não era gorda assim não Seu Jaime, eu era magrinha, bonita. Ele gostou de mim e me levou pra viver com ele na Grécia. Vivemos juntos nove anos. A família dele tinha muito dinheiro, trabalhavam com jóias, mas ele tinha problema com drogas, era viciado em cocaína. No principio eu nem desconfiava, mas depois eu descobri, e isso é a pior desgraça que pode acontecer a uma pessoa. Esse vício acaba com qualquer um. Eu não gostava daquilo e ele começou a ficar violento, passou a me bater, minha vida virou um inferno.

- E você falava grego?

Perguntei para que ela pudesse respirar e eu também, pois a história já estava ficando grande demais. Ela continuou.

- Pois é, tive que aprender, é claro, falo fluentemente, melhor que alemão e francês.

- Quer dizer então que você pode falar com o comandante Antalis em grego?

- Sim, é claro que posso, sempre que passo por ele lhe digo “kalimera capitanea”, que quer dizer, bom dia comandante, mas ele só responde com um sorriso, não dá muita conversa não, quem vai dar conversa pra uma garçonete?

O Comandante Antalis era o Comandante do Serenade e era um cara super popular, que todos adoravam. Quase todas as noites ele vinha escutar a minha música e de vez em quando conversávamos. Ele esteve algumas vezes no Brasil, quando trabalhava em navios de carga e como bom grego, era um mulherengo de primeira e adorava as mulheres brasileiras. Mas voltando a Adriana, que eu já havia percebido que tinha a auto estima baixíssima.

Ela perguntou se não me estava atrapalhando e eu disse que não, que estava interessado na sua história e ela prosseguiu dizendo que quando ela se cansou de apanhar do grego, juntou o pouco dinheiro que tinha guardado, comprou uma passagem para o Chile e fugiu dos mal tratos do companheiro. Depois de quase dezessete anos, ela voltou para a casa dos pais, com uma mão na frente e outra atrás, exatamente como havia saído, deixando na Grécia, o seu marido viciado e truculento, jóias, casa, roupas de grife e toda a vida confortável que ela teve, enquanto morou com ele.

- Quando ele não estava cheirado era uma ótima pessoa, carinhoso, fazia tudo que eu queria, me dava de tudo, jóias, viagens. Mas quando estava sob o efeito da droga, se transformava, deixei tudo para trás e fugi pro Chile. Um dia eu vi um anúncio num jornal, que estavam recrutando gente para trabalhar em navios de cruzeiro. Eu fiz a entrevista para garçonete e aqui estou, trabalhando como uma escrava, engordando como uma porca, porque jurei para mim mesmo, que nunca mais eu iria precisar de homem nenhum, nem de ninguém para me sustentar. Hoje eu ajudo a minha família, já compramos uma casa confortável, já conheci mais de vinte países, e só vou ao Chile de férias, mas estou cansada, sabe Seu Jaime, já tenho quarenta e dois anos, estou cansada.

Eu disse que ela podia me chamar de Jaime apenas, que deixasse o senhor pra lá, pois nós tínhamos quase a mesma idade. Ela se espantou, dizendo que eu parecia ter dez anos a menos. Eu agradeci e disse que a culpa era da música e sugeri que ela tentasse passar para outro departamento, pois ela falava vários idiomas e poderia ser uma embaixadora internacional, ou mesmo, trabalhar como tradutora no seu país. Depois agradeci pela confiança dela ter me contado a sua história, recolhi a minha roupa que já estava seca e fui embora pensando naquilo tudo que eu havia acabado de escutar. Durante o tempo em que trabalhamos no mesmo navio, sempre que a encontrava eu perguntava:

- E aí Adriana, já está providenciando a mudança de departamento?

Ela sorria e dizia, que qualquer dia ia ver isso. E eu nunca soube que fim levou a Adriana. Se ela virou uma embaixadora internacional ou se seguiu sendo garçonete no dinnig room. Embaixador internacional é um cargo importante, com direito a cabine individual e tudo. Para ocupar este cargo, a pessoa tem que falar pelo menos, três idiomas além do inglês, que são o espanhol, o Frances e o alemão. E a Adriana de quebra, ainda falava grego.

sábado, 17 de outubro de 2009

CASA AUTO DOIS IRMÃOS


Numa das minhas recentes visitas a Salvador, passei ocasionalmente pela Rua Carlos Gomes e não pude deixar de me espantar, com aquela portinha onde funcionava a casa auto dois irmãos. Na minha lembrança de infância, aquela porta era enorme, onde funcionava uma grande empresa, que tinha nos fundos um escritório, entulhado de papéis, cadernos, livros caixa, canetas e um cofre grande, de ferro, onde eu imaginava estar guardada ali, uma grande fortuna.

A grande empresa era do meu pai, Seu Ribeiro, um comerciante de talento e um administrador notável, pois daquela portinha ele conseguiu produzir felicidade para muitas pessoas. Meu pai trabalhou de sol a sol, seis dias por semana, fazendo horas extra em casa, e ainda tinha tempo e imaginação para nos contar estórias da carochinha antes dormir. Era a sua hora do recreio por certo, pois muitas vezes ele adormecia antes de chegar ao final da estória, o que me deixava enfurecido. E assim foi, durante anos e anos. É claro que o valor do dinheiro mudou, que os tempos são outros, mas mesmo assim, ainda hoje, é impressionante como aquela portinha pôde abrir tantas outras portas.

Meu pai nos fez feliz quando nos contava estórias antes de ir prá cama. Fez feliz a sua mulher, nossa mãe, dando-lhe seis filhos saudáveis, e a deixando amparada com casa própria, carro e uma pensão descente para os padrões brasileiros. Nos fez feliz ao nos abrir as portas do melhor e mais caro colégio da cidade, onde quase todos nós estudamos até a universidade, e alguns de nós ainda terminamos os estudos em faculdades particulares, igualmente caras, pagas com o suor do trabalho daquele homem, que trabalhou, pelo que eu me lembro, sem férias, durante toda a sua vida. Sua felicidade portanto era o trabalho, pois através dele, ele pode também produzir felicidade para parentes e agregados, que sempre estavam a freqüentar e muitas vezes a morar na nossa casa, desfrutando da nossa comida, das nossas festas, da nossa hospitalidade.

Infelizmente ele não soube se impor como homem, chefe de família e provedor e por isso não teve o reconhecimento e o respeito que merecia. Morreu cedo, quando viu todo o seu esforço ir por água abaixo e ele resolveu desistir e se entregar. Eu, da minha parte, reconhecendo a minha ingratidão a um homem que nunca me disse não, e que a sua maneira, me amou, só posso aplaudir agradecido a sua memória, pela sua paciência, humildade, tenacidade e altruísmo, por ter produzido felicidade pra tanta gente, enquanto ele desfrutou de tão pouco, de tudo aquilo que ele construíu sozinho.

O SUTIÃ DO MARCELO

Marcelinho era o filhinho da mamãe, da vovó e das titias. O primeiro filho daquele casal classe média de Ipanema tinha sido homem, portanto o segundo já viu né? tinha que ser uma menininha, pra fazer par com o Marquinho, o mais velho. Deu Marcelinho gente! em pleno anos oitenta, eles não quiseram fazer o teste pra saber o sexo do bebê, de tão seguros que estavam, que Marcela iria chegar linda e loira. Foi uma decepção é claro, mas mesmo assim Marcelinho foi recebido com carinho e criado desde o berço, com muito amor, eu disse, muito amor mesmo, e como já se sabe, tudo que é demais, sobra. Assim foi crescendo Marcelinho, acostumado em ser o centro das atenções e a ter tudo do bom e do melhor desde pequeno. Tudo que ele via ele queria.
-Mamãe me dê isso, papai me dê aquilo, vovó eu quero aquele dali ó.
E mamãe, papai e vovó, faziam as vontades do Marcelinho sem pestanejar. Marcelo mamou no peito até quase quatro anos de idade, depois dos dois anos o pai começou a ficar incomodado e falava pra mulher:

- Pára de dar o peito pro menino que ele já está crescido mulher.
 A mulher dava de ombros, dizia que o menino gostava e fazia bem para a saúde das mulheres e dos seus filhos, amamentar até tarde, quanto mais leite materno melhor, os meninos ficam mais fortes. O marido argumentava que o mais velho não mamara tanto e no entanto era forte pra caramba. A mulher dizia que queria o caçula ainda mais forte, o dobro.

Até que a mulher engravidou de novo e desta vez veio a Patricinha. Marcelinho já estava com três anos quando a patricinha chegou. Foi um ciúme mortal o que aquele menino sentiu, ao ter que dividir o seu peito com aquela intrusa. Marcelo chorava, gritava, ameaçava bater no bebê e dizia aos berros, para que todo o quarteirão escutasse:
 - NÃÃÃÃÃOOOO! ESSE PEITO É MEU. Pronto, estava instalado o drama. Marcelo que nunca dividira nada com ninguém, nem com o irmão mais velho, agora via a sua mãe dar o seu leite, o leite que lhe pertencia, para aquela menina. A mãe, sem saber mais o que fazer para acalmar o menino, teve a idéia de lhe dar o sutiã que ela usava para enxugar o peito depois da amamentação. A maioria das pessoas usam um lenço ou uma toalha de rosto para enxugar o leite do peito, mas a mãe de Marcelinho usava era um sutiã, sempre o mesmo sutiã, velho e já amarelecido.

–Toma, cheira o sutiã da mamãe que faz o mesmo efeito. Não é que fez mesmo? Marcelinho ficou hipnotizado pelo cheiro de leite impregnado naquele sutiã e desde então não o largou mais, pra todo canto que o Marcelo ia, tinha que levar aquele sutiã com ele, pra escola, pro parque, pro clube, pras festinha de aniversário, lá ia Marcelo e o seu inseparável sutiã. Ele e o sutiã eram uma coisa só, nem do peito da mãe ele queria mais saber. A mãe resolveu um problema e criou outro ainda maior. Marcelinho já com seus dez anos de idade, ia jogar bola com os amiguinhos e levava a sua própria bola, senão ele não jogava, e o seu inseparável sutiã, ainda mais velho e encardido. Marquinho morria de vergonha do irmão e um dia, numa briga que os dois tiveram, coisa de criança, Marco pegou o sutiã do Marcelo e atirou pela janela, três andares abaixo.

- NÃÃÃÃOOOO! MEU SUTIÃ! Berrou Marcelinho a plenos pulmões. O prédio inteiro tremeu, quando a mãe chegou no quarto, apavorada, deu de cara com o Marcelinho pendurado no pescoço do irmão, dizendo que iria matar o pobre do Marquinho. A muito custo ela conseguiu separar os dois, depois, chegou até a janela e viu que o sutiã havia voado e caído no teto do bar da esquina, duas casas adiante. Então a mãe tentou acalmar o filho dizendo que ia trazer o sutiã dele de volta. Em seguida chamou o marido e pediu que ele a companhasse até o bar da esquina, pois o Marco tinha jogado o sutiã do Marcelo no telhado do botequim. O marido achou aquilo uma maluquice, mas teve que ir, pois não agüentava mais o choro histérico do filho, incomodando a vizinhança. Quando chegaram ao bar, o pai procurou o gerente e disse a queima roupa:
 - Moço, o sutiã do meu filho caiu no telhado do seu bar e eu tenho que subir lá pra pegá-lo senão a criança não pára de chorar, sabe como é que é, é um sutiã de estimação.
 O gerente do bar primeiro pensou que fosse gozação de bêbado, mas diante da insistência e da ausência de cheiro de álcool no vizinho, ele deixou que o pai subisse no telhado do bar. O sutiã enfim foi resgatado, não sem danos, pois como estava emaranhado em um monte de fios e na antena externa da televisão do estabelecimento, o pai ao puxar o sutiã, escorregou e este rasgou ao meio. Marcelinho quando viu o seu sutiã partido em dois, berrou o seu célebre “NÃÃÃÃOOOO” e ficou sem falar com o irmão pro resto da sua vida.

Marcelo foi crescendo deprimido, desde que teve o seu sutiã partido em dois. Mal comia, às vezes não queria tomar banho e sequer conversava com a vovó e as titias, que seguiam lhe paparicando. Quando Marcelo fazia aniversário, ele não queria festa, não queria presentes, nada, só queria o seu velho sutiã inteiro de novo, coisa que a mãe tentara mas não conseguira, pois de tão velho e encardido, o tecido havia poído, não costurava mais, pois o sutiã estava dividido em dois para sempre. Quando passou a adolescência e Marcelo começou a se transformar num homenzinho, influenciado por Fabinho, seu amigo inseparável, Marcelinho passou a freqüentar academias de ginástica e a praticar a musculação. Os músculos apareceram rapidamente, Marcelinho se transformou num rapaz malhado, musculoso, com um peitoral de fazer inveja a qualquer nadador profissional, peitoral este, que ele exibia com orgulho em todos os lugares, fosse na praia ou no cinema, onde ele estava sempre usando aquelas camisetas apertadíssimas, que lhe valorizavam o peitoral trabalhado com esmêro.
 O sutiã, bem, os pedaços do seu velho sutiã, continuam guardados até hoje, junto com uma coleção de muitos outros que ele e o Fabio foram comprando ao longo do tempo. Hoje eles moram juntos e tem o seu próprio negócio, uma loja de roupa intíma feminina, num dos melhores shoppings da zona sul deo Rio de janeiro. O nome da loja? “O SUTIÃ DO MARCELO”, é claro.

FEIÚRA AMBULANTE

Desde o primeiro minuto, feiúra ambulante compreendeu que a vida é uma mentira, a começar pelo seu nome, “Artemônio”. Quando a parteira viu aquele recém nascido que ela acabara de trazer ao mundo, berrou:


- É mentira! Isso só pode ser arte do demônio.

A mãe quando olhou a cara do seu bebê, desmaiou e ao voltar a si não teve dúvidas, batizou a criança com aquele nome, Artemônio, um nome inventado, como tantos que existem por aí, especialmente em Salvador da Bahia, terra natal daquela feiúra. Seu pai sumiu no mundo, jurando que aquilo não era filho seu, de jeito nem qualidade.

Artemônio nasceu com dois olhos, duas orelhas, um nariz e uma boca, como qualquer ser humano aparentemente normal, pequenos detalhes no entanto, faziam a diferença. Pra começar, o troço saiu de dentro da mãe, não pela cabeça, como é comum, mas a parteira teve que puxa-lo para fora, pelos pés. Os olhos já estavam bem abertos, vesgos, um quase por dentro do outro de tão vesgos que eram, de forma que nunca olhavam para frente, sempre para o centro. O nariz adunco, curvo, daqueles de bruxa das estórias em quadrinho, apontando para o chão, e acentuando-se em tamanho à medida que o tempo passava. As orelhas eram pontiagudas, dos três lados, pareciam dois triângulos grudados a um crânio maior do que o normal. Um verdadeiro cabeção. Ao nascer, o pequeno Artemônio não chorou, ao contrário, sorria um sorriso esquisito que emitia um som semelhante a um gato no cio, deixando à mostra, na sua boca quase banguela, o dente canino superior direito, já nascido e bem criado.

Com essa cara mal construída, logo que ele começou a fazer as suas primeiras aparições públicas, aos sete anos de idade, ganhou da vizinhança o apelido de feiúra ambulante, que Artemônio carregou com orgulho pelo resto dos seus dias. A cara de feiúra, sua mãe pôde guardar em segredo por sete anos, só os mais íntimos, os da família, tinham acesso aquela deformidade que crescia feliz e contente, como se não fosse com ele o acontecido. O dente canino superior direito foi arrancado umas quatro vezes, mas voltava a crescer de novo, ainda maior, de maneira que depois da quarta tentativa de extirpar a anomalia, sua mãe desistiu do feito e feiúra seguiu pela vida exibindo aquele dentão pontiagudo, que não cabia na boca e se lhe escapava pelo canto dela.

É mentira! Esta era a reação de espanto mais comum que todos tinham ao se deparar com feiúra ambulante. Esta foi a primeira coisa que os seus ouvidos aguçados escutaram e este passou a ser o bordão da sua vida. Como as crianças aprendem por repetição, tudo aquilo que escutam e vêem, assim como os papagaios, Artemônio, passado algum tempo escutando aquela expressão sempre que alguém se deparava com ele, decodificou aquelas palavras como uma saudação, um “olá”, “como vai você”, de forma que sempre que encontrava alguém, antes que a pessoa abrisse a boca, ele mandava um sonoro “é mentira”, ao invés de “bom dia”, “boa noite” ou coisa que o valha. Já adolescente, quando o povo já estava acostumado com aquilo e lhe saudava “oi feiúra, como vai?”, ele respondia contente:

- É mentira!

O segredo mais bem guardado no entanto, só a mãe e a parteira, que morreu de depressão, logo depois de fazer o parto de feiúra, sabiam, além do próprio é claro. Artemônio nasceu com um sexo descomunal, comprido, fino e com duas cabeças, portanto além de ver o mundo aos pares, devido a sua zarolha exagerada, ele também urinava por dois e quando veio a adolescência, aos dez anos de idade e o seu pau mal cabia dentro das calças, ejaculava duplo, pelas duas cabeças, logo, a vida de feiúra era por assim dizer, um gozo duplicado. Com o tempo, veio o vício da masturbação e a este prazer, ele se entregou até conhecer Milsabores.

Maria Del Milsabores, era filha de ciganos chineses, tinha os olhos grandes esverdeados, linda. Os seus peitos e bunda eram enormes, redondos, fartos. Maria gostava de botar tudo o que via na boca. Milsabores não havia passado da fase oral, chupava os dedos da mão e dos pés, lambia tudo que passava diante dos seu olhos, tudo ela queria provar, sentir o sabor e quando conheceu Artimônio, foi paixão à primeira vista.

Quando ele botou os seus olhos trocados em cima dela e viu quatro peitos deliciosos dando sopa, logo gritou:

- É mentira!

Ela enxergou de cara aquele volume imenso por dentro das calças largas que ele usava e nem percebeu a cara feia que ele tinha. Então caíu de boca na cobra de duas cabeças de feiúra ambulante e ele nos peitos maravilhosos dela. E os dois seguiram pela vida afora jorrando juntos o leite de sua cobra e peitos, numa prova inequívoca de que o amor é uma mentira, pois quem ama o feio, bonito só lhe parece se este tiver muito dinheiro, e este não era o caso do personagem em questão, além do mais, não existe pênis com duas cabeças nem ninguém tão horripilante como o sujeito acima descrito, tampouco ciganos chineses, de olhos grandes, esverdeados. Portanto faça como Artemônio, se alguém lhe disser algum dia que te ama, olhe bem nos olhos da criatura e responda:

- É mentira!

A DUPLA CERTINHA


Um gostava de laranja e o outro de verde limão, até aí tudo bem, pois o que seria do pêssego se todos gostassem da maçã? Acontece que quando chegava o carnaval, um queria cair no samba e o outro ver pela televisão, nada demais até então, liberdade de direitos acima de tudo, afinal eles eram a dupla certinha, feitos um para o outro, pois tinham a mesma altura, a mesma pele morena, um pouco mais clara que a do outro, mais ainda assim morena e os narizes, de tão parecidos que eram, pareciam saídos da mesma fornalha. Os nomes tinham a mesma inicial, que rimava o de um com o do outro e até o sobrenome era igual. Incrível esta dupla certinha que de certo nada tinha afinal. Um guardava datas com precisão, não lhe escapava um aniversário, fosse de amigo, parente ou irmão, nascimento, morte, atropelo e inauguração, ele sabia de cor, dia, mês e ano e não tinha discussão. O outro ao contrário, se esquecia de tudo que fosse festejado, geralmente à dois, ou em família. Natal, ano novo, dia santo e feriado, dia dos namorados, tudo isso ele fazia questão de dizer que não via. Um falava pelos cotovelos, parecia que tinha engolido um rádio e cheirado carreiras noites inteiras. O outro guardava tudo calado e escutava com aparente paciência os monólogos da outra parte da dupla, que não perdia nenhum detalhe da sua dissertação, cheia de imaginação e força. Um se prendia a detalhes, enquanto o outro voava no abstrato. Um sonhava alto e o outro comprava pano barato, pra economizar nas contas, se equilibrar pro futuro, pois enquanto um planejava tudo, o outro dava saltos no escuro. Um comia carne vermelha, fritura e sementes de tomate. O outro tomava mel de abelhas, vitamina de banana com aveia e chocolate. Um adorava futebol, decorava as tabela dos campeonatos, sabia todos os resultados, não perdia os gols da rodada por nada deste mundo e era tricolor roxo. O outro era rubro negro. Um gostava dos dias ensolarados, desde que ele estivesse na sombra, com bloqueador trinta, grama e cadeira. O outro queria o sol fervendo na cara, a beira do mar, cerveja e areia. Um só tomava banho frio, dizia que fazia bem a pele e a circulação, coisa que aprendera com o avô materno, ainda criança e nunca mais esquecera, nem deixara de tomar o seu banho gelado diariamente. O outro ficava horas debaixo do chuveiro quente, dizia que o vapor quente relaxava, e assim ficava, se esquecendo do tempo. Um adorava viajar, comprar passagem e voar, especular o novo, o infinito. O outro acendia um baseado. Um era um samba light, guaraná com bossa nova. O outro rock and roll, som alto na caixa e cachaça com coca cola. Um vivia ligado e o outro nem dava bola. Um era um aquário cheio de peixes e o outro era mais um peixe dentro daquele aquário. Mas um pensava no outro todos os dias e o outro também. “Um amor que existia e que só podia ser explicado, se acreditarmos na possibilidade da alma e do espírito”, como um escreveu para o outro um certo dia. Um amor que nunca se encontrava, pois se um chorava, o outro sorria, se um caminhava, o outro corria, quando um se alongava o outro se encolhia, enquanto um despertava, o outro adormecia e sonhava os seus sonhos, separados um do outro, pois mesmo quando dormiam juntos, sonhavam sonhos separados. E assim sucessivamente, dia após dia, os dois seguiam se amando, estivessem aonde estivessem, cada qual no outro lado da sua própria linha, pois afinal eles eram a dupla certinha.